AMME OU DEIXE VIVER
"Decisões como esta dão visibilidade ao tema, ajudam a conscientizar a sociedade sobre sua urgência e provocam o surgimento de novos fatos sociais, pressionando nossos legisladores por regras mais justas que facilitem o acesso à Cannabis"
Publicada em 09/12/2021
Por Ladislau Porto*
No dia 15 de Novembro de 2021, a associação AMME Medicinal obteve uma liminar na Justiça Federal de Pernambuco, em ação patrocinada pela Defensoria Pública da União, autorizando o cultivo, a manipulação e a distribuição de cannabis para os 108 associados cadastrados até a data do deferimento da tutela de Urgência.
A AMME Medicinal foi registrada em abril de 2019, mas todo o alicerce para a obtenção de seu direito foi construída ao longo de uma história marcada pela perseverança. E, graças a ela, ativistas e pacientes conseguiram a decisão favorável para o cultivo no país, a ser realizado pela associação, mesmo que de forma precária inicialmente.
Decisões desta natureza sempre contribuem para a propagação de informação acerca do tema, gerando uma pressão da sociedade civil sobre legisladores como o presidente da Câmara dos Deputados, que, sem justificativa, impede a votação do PL 399/2015, que regula o cultivo de cannabis. O Projeto de Lei, embora ainda possa ser aperfeiçoado, representaria um avanço no acesso à Cannabis no país.
Para uma decisão favorável em um processo desta natureza, deve ocorrer toda uma construção coletiva para a obtenção do resultado desejado. Diversos elementos precisam convergir para a tentativa de garantir tal direito a uma associação. Não basta ter a iniciativa de cultivar a planta e possuir associados que precisem do remédio.
É necessário apresentar farto arcabouço de provas que demonstrem a atuação institucional da associação. Ao mesmo tempo, ela deve buscar parcerias para estabelecer um bom controle de qualidade dos óleos.
Além disso, é essencial que a associação promova um debate aprofundado sobre o tema e dissemine informações sobre os benefícios da planta, convidando agentes públicos para as discussões em audiências e buscando o apoio de políticos engajados e interessados na matéria.
O engajamento diário, com participação de setores representativos da sociedade, é fundamental até a data em que a ação é proposta. Ele contribui de forma decisiva para convencer o julgador da legitimidade da demanda.
Após a propositura da ação, toda a questão se torna técnica, com utilização de ampla fundamentação jurídica sobre todos os temas que envolvem a questão. A demonstração da plausibilidade do direito, associada aos fatos inerentes ao caso em foco, deve abordar os direitos regulatório, penal, cível e constitucional, além de examinar o direito internacional sobre o tema.
Inicialmente, a decisão liminar enquadrou a AMME Medicinal nos moldes do projeto Farmácia Viva, que atende regulamentação específica da Anvisa para a produção de remédios à base de plantas destinados a pacientes do SUS. O objetivo é que a associação cumpra diretrizes técnicas específicas para a correta padronização do cultivo, colheita e distribuição da cannabis.
Decisões favoráveis ao cultivo como esta precisam se multiplicar na mesma proporção dos Habeas Corpus individuais com a mesma finalidade ao longo dos últimos anos. Elas dão visibilidade ao tema, ajudam a conscientizar a sociedade sobre sua urgência e provocam o surgimento de novos fatos sociais, pressionando nossos legisladores por regras mais justas que facilitem o acesso à Cannabis – e, portanto, à saúde - no país.
Por isso, é necessário parabenizar e agradecer aos que estão na linha de frente para que estes objetivos sejam alcançados. Especialmente as associações que, além de se arriscar ao cultivar a Cannabis para atender a um número significativo de pacientes, decidiram trilhar o difícil caminho da judicialização. Que muitas outras alcancem este objetivo em todo o território nacional.
As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.
*Ladislau Porto é advogado, coordenador Jurídico da APEPI/RJ e da AMME/PE e colunista do Sechat.