Artigo: CBD em oposição ao THC. Será que esse é o caminho?

Publicada em 04/07/2019

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Sobre o efeito entourage e o sistema canabinoide humano

Existe uma grande discussão no meio médico se o uso do CBD (canabidiol) deva ser da molécula isolada (até mesmo sintética) ou do extrato completo, incluindo outros fitocanabinoides, flavonoides, terpenos entre outros.

Pareceria uma discussão meramente purista não fossem algumas evidências. A primeira é que ao menos um trabalho científico demonstra que o uso dos extratos só com o CBD (ou seja, sem THC, portanto sem a substância psicoativa da maconha) perdem a eficácia com o tempo para o controle de crises epilépticas.

Por outro lado, quem utilizava os extratos da planta toda, não apresentava o mesmo problema. Esse efeito comitiva (em conjunto, carreata) já tinha sido evidenciado em relação ao vegetal “Artemísia”, utilizado há séculos por nativos do continente africano para tratar pacientes com malária.

Após perceberem os efeitos antimaláricos da Artemísia, cientistas isolaram a substância tida como a mais importante dessa planta e transformaram em um medicamento, a artemisinina.

No entanto, após alguns anos, os cientistas perceberam o aparecimento de falhas no controle do protozoário que causa a malária. E mais, o fenômeno quase sumia quando o paciente era tratado com o extrato da planta.

David Meiri, um renomado pesquisador em Israel, recentemente demonstrou que extratos de cepas diferentes de Cannabis Sativa tiveram efeitos antineoplásicos (destruição de células malignas) diversos in vitro, em relação ao câncer de mama e de próstata.

Isso demonstra a importância da diversidade de linhagens das plantas para avançarmos cada vez mais não só nas bancadas dos laboratórios como também nos benefícios terapêuticos para as pessoas.

Há 25 anos nada sabíamos sobre o sistema endocanabinoide. Enquanto ainda estamos nos familiarizando com dois receptores canabinoides, CB1 e CB2, cientistas em vários centros do mundo já trabalham com outros 32. Pior, enquanto lidamos com apenas meia dúzia de fitocanabinoides, nos laboratórios mais avançados ao menos 144 já são conhecidos.

Isso sem falar dos nossos endocanabinoides Anandamida e 2-AG, que já tem outros 120 companheiros de função.

O raciocínio que gostaria de chegar é que o nosso sistema endocanabinoide é extremamente complexo e comitivo. Ele é responsável pelo controle regulatório homeostático primário de nosso corpo e esse trabalho exige uma dinâmica de equipe (mensageiros, com chaves únicas e múltiplas).

Algumas vezes nosso sistema endocanabinoide (receptores, canabinoides endógenos, enzimas sintetizadoras e degradantes) entra em colapso e necessita de um suporte externo para o seu equilíbrio. É nisso que quero me apegar. Precisamos entender melhor como ele funciona e precisamos saber como cuidar bem dele.

A planta Cannabis Sativa é comitiva por si só. Trouxe junto anos de história de cultivo e relação próxima com o ser humano, quer seja ela ritual, medicinal ou social. Também carregou muita polêmica e preconceito nas últimas décadas. E enfim, nos presenteou com o conhecimento de nosso sistema endocanabinoide e de sua complexidade.

Nos resta agora estudar e pesquisar mais as possibilidades terapêuticas desse vegetal e entregar os resultados para a sociedade contemporânea que sempre busca qualidade integral de vida.

Wilson da Silva Lessa Júnior

Graduação em Medicina pela UFMS. Médico com título de especialista em Psiquiatria e Psiquiatria Forense pela AMB. Professor efetivo do curso de Medicina da UFRR.