A regulamentação da cannabis e a necessidade de novos avanços

Uma reflexão sobre os benefícios que uma legislação mais ampla e progressista poderia trazer para a saúde, economia e a sociedade brasileira

Publicado em 25/02/2024
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Já amplamente divulgado no Brasil, a cannabis é uma planta que possui diversas propriedades terapêuticas, capazes de aliviar os sintomas de diversas doenças, como epilepsia, esclerose múltipla, dor crônica, câncer, entre outras.  

Além desse olhar de uso medicinal, existe potencial inquestionável em relação ao uso industrial, cosmético, alimentar e agrícola, possibilidades de aplicação mundialmente conhecidas e pouco divulgados aqui no Brasil.

Nos últimos anos, os debates foram se ampliando e chegamos a estruturar um Projeto de Lei, PL 399, que aborda a regulamentação da Cannabis no Brasil, incluindo aspectos relacionados ao uso industrial e ao cultivo, porém está parado por não contar com prioridade política.

O PL 399 e a sua tramitação na câmara dos deputados

Em 2019, foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 399, que visa regulamentar o cultivo, a produção, a comercialização e o uso da cannabis para fins medicinais e industriais no Brasil.  

O PL 399 foi aprovado na Comissão Especial da Câmara em dezembro de 2020, após um longo e intenso debate entre parlamentares, especialistas, pacientes e ativistas.  

O projeto prevê que a cannabis possa ser cultivada por empresas, associações de pacientes e órgãos públicos, sob a supervisão da Anvisa, e que os produtos derivados da planta possam ser prescritos por médicos e adquiridos em farmácias ou dispensários autorizados.

O 399 representa um avanço histórico para a política de drogas no Brasil, que ainda é baseada na proibição e na criminalização do uso da cannabis, mesmo para fins terapêuticos. No entanto, o projeto ainda precisa ser votado no plenário da Câmara e, posteriormente, no Senado, onde enfrenta forte resistência de setores que alegam, ser a regulamentação da cannabis porta de entrada para a legalização do uso recreativo, e o aumento do consumo e da violência.  

Esses argumentos, no entanto, não se sustentam diante das evidências científicas e das experiências internacionais, que mostram que a regulamentação da cannabis pode reduzir os danos associados ao uso da substância, diminuir o mercado ilegal e o poder do tráfico, e gerar receitas para o Estado investir em saúde, educação e segurança.

A importância e a urgência de regulamentar

A regulamentação da cannabis para fins medicinais é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Milhares de brasileiros sofrem com doenças que não respondem aos tratamentos convencionais e que poderiam se beneficiar do uso da cannabis e dos seus derivados, como o canabidiol (CBD) e o tetraidrocanabinol (THC).  

Esses pacientes, muitas vezes, recorrem à Justiça para obter autorização para importar ou cultivar a planta, o que gera custos elevados, burocracia e insegurança jurídica. Além disso, a falta de regulamentação impede o acesso à informação, à orientação médica e à qualidade dos produtos, colocando em risco a saúde e a vida dos usuários.

A regulamentação é uma demanda urgente e legítima, que já conta com o apoio de diversas entidades médicas, científicas, jurídicas e sociais, como a Associação Brasileira de Psiquiatria; a Sociedade Brasileira de Neurologia; a Academia Brasileira de Ciências; a Ordem dos Advogados do Brasil; a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e outras.

As vantagens de avançar para uma lei que aborde também os aspectos: industrial, alimentício e cosmético

A cannabis é uma planta versátil, que pode ser utilizada para a produção de diversos produtos, como fibras, papel, tecidos, biocombustíveis, alimentos, cosméticos, produtos que têm um alto valor agregado e um grande potencial de mercado, tanto interno quanto externo, gerando emprego, renda e desenvolvimento para o país.

A regulamentação da cannabis para fins comerciais também traria benefícios ambientais, sociais e culturais para o Brasil. A cannabis é uma planta que se adapta a diferentes climas e solos, que requer poucos insumos e que tem um ciclo de crescimento rápido, sendo uma alternativa sustentável para a agricultura familiar e para a diversificação da matriz energética. Além disso, a cannabis é uma planta que faz parte da história, da cultura e da religiosidade de diversos povos, como os indígenas, quilombolas, rastafáris que têm o direito de preservar e valorizar as suas tradições e identidades.

O agro nacional e seu potencial

O Brasil é um país com vocação e potencial para se tornar um líder mundial na produção e na exportação de cannabis e dos seus derivados. O país possui uma extensa área territorial, uma grande diversidade climática e biológica, uma forte tradição agrícola e uma capacidade científica e tecnológica reconhecida internacionalmente. Esses fatores colocam o Brasil em uma posição privilegiada para desenvolver uma cadeia produtiva da cannabis, que atenda às demandas internas e externas, que respeite as normas sanitárias e de qualidade, que promova a inovação e a competitividade, e que gere benefícios para toda a sociedade.

Não podemos ficar para trás nesse cenário, que já é uma realidade em diversos países, como Canadá, Estados Unidos, Uruguai, Colômbia, Israel, entre outros, que já regulamentaram a cannabis para fins medicinais e/ou recreativos, e que estão colhendo os frutos dessa decisão. O Brasil tem a oportunidade de se inserir nesse mercado que movimenta bilhões de dólares por ano, e que tem um enorme potencial de crescimento, especialmente na América Latina, assumindo um papel de liderança e se tornando referência.  

Para isso, o país precisa de uma legislação moderna, abrangente e progressista, que regulamente a cannabis para todos os fins, que estimule o desenvolvimento do agro nacional, com foco na sustentabilidade, na inclusão e na soberania. Falta prioridade e interesse político para se explorar o potencial enorme do país se tornar um líder mundial na produção e na exportação de cannabis e dos seus derivados, gerando emprego, renda e desenvolvimento para o país.  

Questão de Justiça Social

A regulamentação muito além das questões técnicas, políticas e financeiras, é, sobretudo, uma questão de justiça e respeito social. Ela diz respeito à dignidade de milhares de famílias brasileiras que sofrem com doenças graves e que encontram na Cannabis uma alternativa de tratamento. Ela também representa uma oportunidade de gerar emprego, renda e desenvolvimento sustentável para o Brasil.

Em 2022, o atual governo foi eleito com a bandeira de defender as minorias, os excluídos e as pautas sociais. Uma delas era a regulamentação da Cannabis, no entanto, até o momento, nada foi feito nesse sentido.

Por isso, precisamos manter o debate aquecido, continuar pressionando e buscando o que acreditamos ser o melhor para o país. A regulamentação do uso, do cultivo e do acesso é algo que pode contribuir para termos um Brasil mais justo e perfeito.

 

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Norberto Fischer* é o pai da Anny Fischer, a primeira brasileira autorizada a importar o extrato da maconha para uso medicinal. Se tornou um ativista social na luta pelo direito ao acesso a tratamento com cannabis.

 

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Norberto Fischer

Norberto Fischer é pai de Anny Fischer, primeira brasileira autorizada legalmente a importar o extrato da maconha para uso medicinal. Tornou-se articulador político no Brasil, com repercussão internacional, destacando-se no ativismo pelo direito ao acesso, distribuição pelo SUS, custeio dos tratamentos pelos planos de saúde, plantio e produção nacional por empresas, ONGs e autocultivo.