
Advocacy abriu caminhos. Agora, o mercado precisa acontecer
Advocacy e estratégia: dois pilares que precisam andar juntos
Publicado em 10/04/2025Nos últimos 10 anos, o avanço da cannabis medicinal no Brasil foi, em grande parte, resultado de um esforço coletivo de advocacy. Associações, médicos, pacientes, ativistas, empresários — todos contribuíram para abrir caminhos, romper estigmas e colocar a pauta no debate público e político. Eu mesmo estive nessa linha de frente, porque naquele momento era necessário. E, em muitos aspectos, ainda é.
Mas há algo que precisa ser dito com clareza e sem antagonismos: enquanto alguns seguem cumprindo o papel de defender a causa, outros precisam garantir que o mercado funcione dentro do que já é possível. Porque, sem geração de demanda, não existe ecossistema.
Hoje, o maior gargalo da cannabis medicinal no Brasil não é apenas regulatório. É estratégico. O setor sofre de uma ausência crônica de foco, posicionamento e diferenciação. Muitas empresas tentam atuar em toda a cadeia produtiva, mas sem uma proposta de valor clara, sem narrativa que conecte com médicos e pacientes, e sem processos consistentes para gerar tração.
É um mercado que se move com vontade, mas que ainda engatinha em execução. Que, muitas vezes, repete discursos, mas não constroi confiança. E que, infelizmente, ainda vê marketing e educação de mercado como custo — e não como investimento essencial.
Um exemplo prático dessa dor
Hoje, vemos empresas que importam produtos via RDC 660 tentando crescer apenas por meio de parcerias frágeis com representantes ou plataformas, sem estrutura comercial, sem um trabalho de base com prescritores e sem diferenciais claros de produto ou serviço. O resultado? Baixa adesão médica, pouca recompra por pacientes e um crescimento que depende mais da sorte do que de uma engrenagem bem montada.
O problema não está no produto, nem na regulamentação. Está na ausência de uma estratégia real de entrada e posicionamento no mercado.
Qual o caminho
O caminho passa por entender que o médico é o motor da demanda. Não há prescrição sem confiança. E não há confiança sem educação contínua, relacionamento estruturado e suporte clínico real.
É preciso investir na jornada do prescritor, desde a primeira aproximação até o acompanhamento de casos reais, passando por conteúdo científico, canais de suporte, ferramentas de prescrição e reconhecimento profissional.
Além disso, a inovação precisa deixar de ser só tecnológica e passar a ser estratégica. Inovar é oferecer novos modelos de relacionamento, experiências mais fluídas para o paciente, produtos diferenciados e posicionamentos que se conectem com necessidades reais — não apenas com tendências importadas.
Advocacy e estratégia: dois pilares que precisam andar juntos
Advocacy segue sendo essencial. Mas é preciso reconhecer que fazer política pública e fazer o mercado acontecer são caminhos diferentes e igualmente importantes para a maturidade do setor.
O que falta hoje não é mais esforço político, esse continua sendo fundamental. O que falta é equilíbrio. Enquanto alguns seguem abrindo caminhos institucionais, outros precisam fortalecer as bases do mercado. Falta clareza no posicionamento, inteligência comercial adaptada à realidade regulatória e uma arquitetura de diferenciação que conecte produto, marca e propósito de forma consistente. Sem isso, o setor patina. Mesmo com avanços na lei, o crescimento sustentável só acontece quando a estratégia de mercado acompanha o passo da regulação.
Hora de virar a chave
O setor não precisa de mais marcas genéricas. Precisa de negócios bem posicionados. De soluções que entreguem valor, gerem confiança e estabeleçam uma relação de longo prazo com médicos e pacientes.
É hora de virar a chave. De entender que o sucesso da cannabis no Brasil será construído por quem souber equilibrar causa e competência, propósito e execução.
Advocacy abriu os caminhos. Mas agora, mais do que nunca, é a estratégia de mercado que vai garantir que a travessia seja sustentável.
E, olhando adiante, é impossível ignorar a convergência entre o mercado medicinal e o universo da saúde e bem-estar. À medida que pacientes buscam alternativas naturais, personalizadas e integrativas para suas rotinas de cuidado, a cannabis se posiciona não apenas como medicamento, mas como parte de um estilo de vida mais consciente. O futuro do setor passa também por entender essa expansão e por inovar não apenas no produto, mas na experiência, na linguagem e na forma como cuidamos da saúde das pessoas.

Marcelo De Vita Grecco é consultor, mentor, advisor e cofundador da The Green Hub.