
Além do consultório: um olhar integrativo para o SUS e o acesso à cannabis medicinal
Cada vez mais pacientes buscam tratamento com cannabis medicinal pelo SUS, e este avanço no acesso público pode transformar a saúde no Brasil
Talvez este seja o momento que muitos aguardavam, ou talvez não; pois ainda podem existir muitas pessoas que nem sequer saibam o que é “cannabis medicinal”, e muito menos que é possível receber o tratamento pelo SUS.
Sou médica generalista com prática integrativa, pesquisadora, palestrante e prescritora de fitocanabinoides. Já atendi na rede pública, antes mesmo de me tornar médica, quando atuava como enfermeira. Hoje, venho tratar de um tema que impacta e enche de esperança: o acesso à cannabis pelo SUS.
Estabelecida pela Constituição Federal de 1988, a saúde é reconhecida como um direito de todos e um dever do Estado. Em conformidade com este princípio, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), pautado em diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação popular, enfatizando os princípios de igualdade e integralidade na assistência à saúde.
O SUS, considerado o maior sistema público de saúde do mundo, atende a cerca de 190 milhões de pessoas, representando 80% da população brasileira que depende exclusivamente dele para cuidados de saúde, conforme dados de 2021 (Gov.com). Essa estatística ressalta a responsabilidade significativa do Estado brasileiro no que concerne à saúde pública, reforçando a importância de políticas eficazes e equitativas para a manutenção do bem-estar da população.
A planta Cannabis contém mais de 200 moléculas estudadas, capazes de interagir com o sistema fisiológico humano, visando a promover a homeostase do corpo. Dentre suas propriedades, destacam-se as relaxantes, ansiolíticas, anti-inflamatórias, anticonvulsivas, antidepressivas, anti-hipertensivas e imunológicas. Pesquisas indicam que a cannabis medicinal é potencialmente eficaz no tratamento de uma variedade de condições, incluindo diferentes tipos de epilepsia, autismo, ansiedade, depressão, dor crônica, Parkinson, transtornos dos tecidos moles, câncer, Alzheimer, Esclerose Múltipla, enxaqueca, transtorno bipolar, neuropatia periférica, fibromialgia e distúrbios do sono.
Com um entendimento aprofundado sobre cannabis medicinal, o sistema endocanabinoide (SEC), sua fisiologia e modulação, tenho acompanhado muitos pacientes e familiares que encontraram na cannabis uma luz no fim do túnel e a oportunidade de retomar uma vida digna e saudável. Em uma palavra, a Cannabis representa “esperança” para milhares de pessoas no Brasil e no mundo.
É surpreendente, e ao mesmo tempo chocante, ver muitos brasileiros chegando sem esperança e perspectiva de dias melhores, após históricos de falhas terapêuticas em diversos tratamentos. Mas, graças ao esforço conjunto de mães, pacientes, associações, médicos, deputados e governadores, hoje presenciamos um cenário mais promissor para a população brasileira, especialmente para aqueles que dependem exclusivamente do SUS. A regulamentação e implementação da lei que prevê o fornecimento de remédios à base de cannabis medicinal pelo SUS em todo o Estado de São Paulo, em discussão há mais de 3 anos, é um avanço significativo e motivo de grande satisfação e emoção.
O Estado de São Paulo, notável por sua grande população, é pioneiro no fornecimento de tratamento com canabinoides — Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabinol (THC) — através do SUS. Inicialmente, o tratamento foi aprovado para três doenças específicas: as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. Com esta abertura, há um movimento crescente para expandir a autorização do uso medicinal da cannabis para outras condições, como o transtorno do espectro autista (TEA).
Essa iniciativa, contudo, traz algumas preocupações. Uma questão crucial é identificar os médicos no Brasil que já prescrevem canabinoides. No âmbito do SUS, é fundamental assegurar a presença de profissionais qualificados e de equipes multidisciplinares capacitadas para manejar o tratamento com fitocanabinoides, atentando para os ajustes necessários e para os riscos de interações medicamentosas.

A cannabis oferece um potencial significativo para melhorar a qualidade de vida de pacientes e cuidadores, representando uma fonte de esperança e possibilidade de melhoria nas condições de saúde. Contudo, há uma preocupação legítima de que uma má administração possa levar a uma reação negativa do sistema de saúde em relação ao uso medicinal da cannabis, apesar das evidências científicas que apoiam seu uso no sistema endocanabinoide.
Meu objetivo é conscientizar a população sobre o acesso ao tratamento com canabinoides, enfatizando a importância de um atendimento integral e humanizado. É essencial dedicar tempo de qualidade em cada consulta, seja no SUS ou no setor privado, para garantir a eficácia do tratamento.
A disponibilidade da cannabis no SUS representa um avanço significativo, um verdadeiro marco para muitos médicos e pacientes. No entanto, é preciso cautela para que esse avanço não se transforme em um revés, caso haja falhas na prescrição e na modulação do sistema endocanabinoide.
A população brasileira merece ter acesso a profissionais de saúde qualificados dentro do SUS. Esses valorosos profissionais, que prestam serviços no sistema público, devem ser reconhecidos e equipados com locais de trabalho apropriados, materiais adequados e oportunidades constantes de atualização profissional. Eles são a espinha dorsal de um sistema de saúde que busca atender às necessidades de todos com excelência e cuidado.
Como médica e educadora na área de Cannabis e Sistema Endocanabinoide, compreendo profundamente que a educação é a chave para desbravar novos horizontes neste campo. É essencial investir na formação de médicos, dentistas, enfermeiros e fisioterapeutas, ampliando o conhecimento sobre o SEC, que raramente é abordado durante a graduação. Este conhecimento deve se estender também a estudantes, pacientes e seus acompanhantes, transformando cada consultório em um espaço de aprendizado e descoberta.
Não podemos permitir que dúvidas, medos ou preconceitos obstruam o progresso alcançado pelo Sistema Único de Saúde de São Paulo no acesso à cannabis medicinal. Este é um momento de transformação, onde a esperança e a ciência se encontram para criar um futuro mais promissor para a saúde no Brasil. Juntos, podemos construir um sistema de saúde mais inclusivo, informado e eficaz, onde o bem-estar de cada paciente é a nossa maior prioridade.

Dra. Emanuele Miranda de Lima Médica Integrativa (CRM 241953/SP), Mentora e Educadora Com atuação destacada nas áreas de Cannabis Medicinal, Suplementação Personalizada e Terapia de Reposição Hormonal Bioidêntica, Dra. Emanuele é idealizadora do Método AME-SE — uma abordagem inovadora que une ciência, espiritualidade e cuidado empático para promover saúde integral e sustentável. Com mais de seis anos de experiência clínica, integra saberes da Medicina Funcional Integrativa, da nutrição avançada e das terapias complementares em seus atendimentos. É membro da APMC, Coordenadora Científica do curso Cannabis Online e palestrante da JRCMed. Atende presencialmente em São Paulo e ABC Paulista, além de oferecer consultas por telemedicina no Brasil e no exterior. Também mentora profissionais da saúde que desejam ampliar seus cuidados através da medicina integrativa.