Cannabis é motor para nosso agronegócio

Neste domingo de páscoa, Senadora Mara Gabrilli cobra celeridade do setor: "Já passou da hora do agro brasileiro abrir os olhos para a cannabis e o cânhamo"

Publicado em 31/03/2024
Compartilhe:
Mara 2.jpg
Mara Gabrilli, 55 anos, é publicitária, psicóloga e senadora pelo PSD/SP | Imagem: Arquivo

Já são quase 10 anos desde que a Anvisa passou a permitir a importação de medicamentos à base de cannabis no Brasil e desde então pouco avançamos. Passamos praticamente uma década com o nosso país refém de um mercado bilionário e que poderia ser nacional se regulamentássemos o cultivo de Cannabis para o uso medicinal. Temos evidências científicas e uma demanda enorme de pacientes, mas continuamos atrás do progresso que uma grande parte do mundo já desfruta há tempos.  

Desde 1996, mais de dois terços dos estados dos Estados Unidos aprovaram o uso medicinal da Cannabis ao longo dos anos. Hoje são um total de 38 estados e ainda o Distrito de Columbia, Guam, Porto Rico e Ilhas Virgens, que permitem o cultivo de Cannabis para fins medicinais. Os estados do Kentucky e Nebraska também estão em via de legalização do uso medicinal. Alguns estados têm programas abrangentes de fornecimento público e ainda permitem o cultivo doméstico. Outros 12 estados permitem o uso de produtos com baixo teor de THC e canabidiol (CBD). A Cannabis segue ilegal a nível federal, mas com os 38 estados que legalizaram o uso medicinal e os 24 que legalizaram o uso adulto, a estimativa é que juntas, a vendas legais ultrapassem os US$100 bilhões, a tendência é que essa legalização do cultivo impulsione ainda mais o mercado medicinal e de outras finalidades industriais.

Por outro lado, a produção do cânhamo industrial foi legalizada a nível federal nos Estados Unidos em 2018, durante o governo de Donald Trump, e possibilitou ao agronegócio estadunidense mais uma opção de cultivo e que, em 2022, foi avaliada em US$ 13,2 bilhões e segue em crescimento. Apenas em 2021, o mercado de cânhamo movimentou US$ 824 milhões nos Estados Unidos e US$ 1,7 bilhão na China. Consultorias, empresas e associações que atuam nesse mercado estimam que em cinco anos o cânhamo deva movimentar US$ 30 bilhões no mundo. A Prohibition Partner, empresa inglesa de análise de mercado, estima que, em 2022, as vendas globais já somaram US$ 45 bilhões e podem chegar a US$ 101 bilhões até 2026. Nosso país poderia ser um líder mundial neste mercado, temos um potencial imenso no agronegócio, mas infelizmente segue como mero expectador.

No Canadá, o uso da Cannabis foi legalizado para fins medicinais em 2001 e o país já conta com mais de 342 mil pacientes registrados para o uso. É permitida a compra de flores, extratos e pomadas para uso medicinal de empresas licenciadas pelo governo para produzir e comercializar, inclusive pela internet. Também é possível que o cidadão se registre para produzir para consumo próprio, ou delegar a função a um terceiro. O país é referência mundial para a exportação de Cannabis Medicinal e a tendência é que esse mercado continue em expansão. Segundo a StaCan, o ano fiscal encerrado em março de 2023, indicou que somente as exportações canadenses atingiram C$160 milhões em comparação com os C$107 milhões em 2022 e C$39 milhões em relação ao ano fiscal de 2021. Para a Prohibition Partner, os canadenses possuem vantagem pela maior área de produção atual e por maior experiência no cultivo. Essa expertise faz com que a exportação de cannabis medicinal atinja índice recorde de 3 vezes mais lucrativa que as vendas internas para uso adulto.

Em Israel, em dezembro de 2023, 30 anos após o Ministério da Saúde do país emitir sua primeira licença médica oficial para o uso medicinal de Cannabis, o número de pacientes pulou de 10.313, em 2013, para 137.940 pacientes ativos.  Os especialistas calculam ser a maior taxa per capita de consumo de medicamentos à base de Cannabis do mundo, acima de qualquer outro país. A recomendação com maior número de pacientes é para dor neuropática não relacionada ao câncer, com 73.538 pacientes. Uma curiosidade sobre é Israel é sobre o tipo de produto de Cannabis de maior preferência dos pacientes e das necessidades específicas de cada recomendação que orientam entre o uso de flores e de óleos de Cannabis. A maior recomendação é para as flores. Em novembro de 2023 o volume total de flores recomendadas atingiu 4.912kg dos 5.326kg utilizados para as mais variadas recomendações. Deve-se destacar que, devido à familiaridade, versatilidade e uso discreto, a recomendação do óleo de Cannabis atingiu 414kg. A Prohibition Partner atribui essa popularidade à precisão na dosagem, que atende a especificidade de cada paciente. Afirmam ainda que essa mudança no uso de botões florais tradicionais para os óleos e extratos indica um “mercado de cannabis medicinal em maturação, à medida que os pacientes gravitam em torno do que melhor atende às suas necessidades médicas”.

Enquanto isso, sem regulamentação, seguimos uma terra sem lei e sem plantio, desperdiçando todo o potencial de nosso agronegócio. Somos o principal produtor mundial de diversas culturas, como soja, café, açúcar, suco de laranja… mas ainda temos olhos fechados para o cânhamo, por exemplo, que é uma subespécie da Cannabis e que pode ser utilizado para inúmeras finalidades na indústria. Segundo o pesquisador Sérgio Rocha, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), o Brasil perde o potencial de ter a Cannabis como a maior e mais rentável commodity ao não regulamentar o cultivo de cannabis como atividade agrícola.

No Brasil, o potencial com a legalização do cultivo, comercialização e exportação é projetado em US$ 5 bilhões por ano pela Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann). A Kaya Mind, empresa brasileira especializada no segmento, estima que em 2022 o mercado de medicamentos à base de cannabis, o único regulado, movimentou R$ 363,9 milhões.

Olhando para esses números fica quase impossível não se perguntar sobre o que falta para o Brasil abraçar esse mercado. Se a saúde das pessoas não é suficiente para regulamentarmos a cannabis medicinal, então que olhem para as cifras.

E foi justamente diante dessa morosidade perversa, que resolvi apresentar no final do ano passado uma proposta para tramitar no Senado, levando em conta todos os gargalos e necessidades que envolvem a regulamentação da cannabis para fins medicinais. O PL 5511/2023 chega para atender os principais anseios da sociedade, tanto de pacientes, quanto de produtores que desejam investir e gerar empregos em nosso país. Tudo com o objetivo de democratizar o acesso a quem precisa.

Além do foco na saúde, incluindo também a medicina veterinária, o projeto lança diretrizes para o florescente mercado de cânhamo, alavancando oportunidades no setor industrial e incentivando pesquisas científicas e também nosso agronegócio. Falamos de uma proposta abrangente e séria, que contará, por meio de regulamento, com total fiscalização dos órgãos de segurança pública.

Já passou da hora do agronegócio brasileiro abrir os olhos para a Cannabis e o Cânhamo e fazer dessa planta milenar um produto para alavancar a economia brasileira. Temos em nossas mãos a oportunidade de liderar um mercado que só tende a crescer. E de quebra, garantir saúde para milhares de pessoas. E convenhamos, quando se trata dessa métrica, o valor é imensurável. 

Imagem do colunista Mara Gabrilli
Mara Gabrilli

Mara Gabrilli é senadora da República pelo estado de São Paulo, representante do Brasil no Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e fundadora do Instituto Mara Gabrilli.