Cannabis no tratamento de uma doença grave que acomete nossos cãezinhos

Cannabis no tratamento de uma doença grave que acomete nossos cãezinhos

A ausência de vacinação na fase de filhote e ao longo da vida pode trazer consequências graves ao animal

Publicado em 22/06/2025

Sabemos que o brasileiro “sempre dá um jeitinho”, mas quando essa negligência se manifesta na falta de vacinação adequada dos pets, ultrapassa limites. A ausência de vacinação na fase de filhote e ao longo da vida pode trazer consequências graves ao animal — uma delas é a perpetuação de doenças infectocontagiosas, como a cinomose.


A cinomose canina é uma doença infectocontagiosa causada pelo vírus CDV (Canine Distemper Virus), que acomete cães domésticos. O vírus possui forte capacidade imunossupressora, levando a graves manifestações neurológicas e sistêmicas. A transmissão ocorre por meio de secreções e excreções de cães e outros animais infectados.


Em filhotes, a ausência de proteção vacinal permite que o vírus se multiplique e se dissemine de forma sistêmica e neurológica. A manifestação neurológica é a mais severa, pois envolve a replicação viral nos neurônios e células da glia, que entre as diversas funções desempenham o papel de preservação e nutrição dos neurônios. A manifestação neurológica da doença pode causar necrose na substância cinzenta e desmielinização na substância branca do cérebro. 

Isso resulta em movimentos involuntários e até pode levar o paciente ao quadro de coma. Ou seja, quando a doença não evolui para o óbito, geralmente deixa sequelas que influenciam negativamente na qualidade de vida do animal. O pior é que o tratamento disponível não é específico, limitando-se ao manejo dos sinais clínicos apresentados.


É nesse contexto que a Cannabis pode ter um papel importante. Embora alguns já discutam sobre a possibilidade de utilização da Cannabis durante a fase ativa da doença, ela pode ser considerada como uma opção para diminuir as sequelas deixadas por essa doença tão tenebrosa. Veja dois casos atendidos no Hospital Veterinário Universitário da Universidade Federal de Santa Maria (HVU-UFSM) e tratados com óleo de cannabis. 


Caso 1. Mioclonia

 


Uma cadela de um ano de idade e sem raça definida (SRD) foi adotada por um casal que percebeu a influência negativa da sequela de cinomose na qualidade de vida do animal.


A mioclonia consiste em movimentos musculares involuntários, rápidos e súbitos. Os tratamentos convencionais geralmente envolvem acupuntura, fisioterapia, uso de medicamentos para controle dos espasmos ou terapia com células-tronco. 

Embora o animal não apresentasse alterações comportamentais, os tutores percebiam limitações nas atividades diárias como dificuldade para se alimentar, subir no sofá ou na cama, além da dificuldade para desviar de obstáculos no chão, como brinquedos ou até um simples degrau.


Na época, não tínhamos acesso a um óleo rico em THC ou equilibrado para ter um maior efeito neuromodulador. Dessa forma, foi ofertado um óleo de Cannabis de amplo espectro rico em canabidiol (CBD) 4%. Logo na primeira semana de tratamento, foi notado uma significativa diminuição da mioclonia.  

Além disso, ao longo do tratamento, o animal apresentava uma evolução contínua apresentando uma maior facilidade para se alimentar, desviar de obstáculos, além de conseguir subir e descer do sofá e da cama – como nunca havia conseguido antes.


Sabemos que o cortisol atua como modulador negativo do sistema endocanabinoide (SEC), fato observado também nessa paciente. A paciente foi levada à praia pelos tutores durante uma viagem, mas se familiarizou com o local. Dessa forma, o caso clínico regrediu e a paciente retornou a apresentar algumas limitações.


Para tentar reativar o SEC, foi feita uma pausa no tratamento canábico e, uma semana depois, retornamos ao tratamento de forma gradual. Porém, dessa vez, a evolução do caso clínico não foi tão significativa e satisfatória como anteriormente, mas o animal já não apresentava limitações na sua vida diária, o que deixou os tutores satisfeitos da mesma forma. O tratamento foi mantido por um ano e descontinuado, mantendo a qualidade de vida do animal sem regressões desde então.


Caso 2. Disfunção locomotora


Uma cadela com onze meses de idade e SRD, com histórico de ter contraído a doença de cinomose anteriormente, apresentava como sequela a dificuldade para caminhar (ataxia), por isso tinha um andar cambaleante. O animal já havia passado por tratamento com fenobarbital e fisioterapia, porém sem resposta satisfatória, incluindo eletroterapia em nível máximo sem resposta. O caso era considerado irreversível por diversos profissionais.


A cannabis foi utilizada após tentativa de outros tratamento que não apresentaram a resposta esperada; Veja o vídeo: 

 


A tutora também relatava que o animal apresentava excitação e vocalização intensa à noite, o que levou à prescrição de óleo de Cannabis de amplo espectro rico em CBD 3%, associado à fisioterapia domiciliar.


Durante o tratamento, houve episódios de regressão clínica em que a eutanásia foi recomendada por três médicos veterinários, mas a tutora manteve a esperança principalmente pelo animal manter um bom apetite. 


Quatro meses após o início da terapia canábica, a tutora nos encaminhou um vídeo em que o animal não apenas caminhava, mas também corria livremente brincando com outro animal. 


Veja os benefícios da cannabis para o animal com sequelas da cinomose:


Frente à possibilidade do animal poder se locomover livremente, o perfil de óleo foi trocado para um equilibrado 3%, ofertado por mais um ciclo de tratamento.

Atualmente, o animal mantém-se estável e não necessita de tratamento contínuo.
 

A cinomose permanece endêmica no Brasil, apesar da disponibilidade de vacinas eficazes. Frente a essa realidade, o óleo de Cannabis pode representar uma opção terapêutica para as sequelas da cinomose, evitando assim a eutanásia de animais e oferecendo assim qualidade de vida digna aos animais sobreviventes e tranquilidade aos seus tutores. 

Imagem do colunista Carollina Mariga
Carollina Mariga

Carol Mariga é médica veterinária formada pela UFSM, onde também concluiu mestrado e atualmente cursa doutorado, aprofundando seu conhecimento em saúde animal. Atua como veterinária prescritora na ASCAMED Brasil, contribuindo para soluções terapêuticas e de bem-estar para pets. Além disso, Carol é pós-graduanda em Cannabis sativa pela SBEC, ampliando sua expertise em fitoterapia veterinária com enfoque em compostos à base de cannabis.