Cannabis – um mercado em crise?

Uma pesquisa elaborada pela Whitney Economics descobriu que menos de 25% dos negócios de cannabis são lucrativos no Estados Unidos

Publicado em 11/01/2024
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Um estudo realizado pela Whitney Economics, empresa especializada em dados de mercado da cannabis, destacou que menos de 25% dos negócios relacionados a planta nos EUA, são lucrativos. Alguns desafios específicos enfrentados pelo setor, como a concorrência do mercado ilícito e a tributação excessiva além da falta de acesso ao sistema bancário e a volatilidade dos preços, foram indicados como possíveis obstáculos para os empreendedores de cannabis americanos. 

 

Esses números podem ser um balde de água fria para quem pretende empreender em cannabis no Brasil. Mas é preciso observar as diferenças entre os dois mercados antes de fazer um julgamento precipitado. 

 

Em 2018, o EUA promulgou a Farm Bill que tratou do plantio de cânhamo. Essa nova lei permitiu que todas as plantas de cannabis com o THC abaixo de 0,3% do peso das plantas colhidas e secas pudessem ser utilizadas para fins industriais. 

 

Depois dessa lei, surgiu uma série de produtos feitos a partir das plantas da cannabis e muita gente começou a plantar na expectativa de altos lucros. Porém, mesmo depois da Farm Bill, o Food and Drug Adminstration (FDA) não regulamentou o CBD e os demais componentes não psicoativos da cannabis como suplemento alimentar. A falta dessa regulamentação, em conjunto com a manutenção da cannabis no Anexo I da Convenção Única de Entorpecentes, faz com que muitas empresas ainda tenham restrições para investir nesse produto e seus derivados. 

 

A falta de regulamentação também propiciou a disseminação de produtos de baixa qualidade. Pelo fato de não haver um órgão verificando as informações dos rótulos, o mercado passou a ser regido mais por preço do que qualidade. 

 

A falta de uma fiscalização das informações dos rótulos ainda faz com que diversas empresas aproveitem para tirar vantagem dos seus consumidores. Essas empresas não cumprem o que prometem em suas campanhas de marketing, gerando diversos consumidores insatisfeitos, seja por oferecerem produtos sem benefício real, seja por incorreta e imprecisa informação em relação a dosagem contida em cada frasco. 

 

A alta disponibilidade de plantas de cânhamo, a falta de interesse de muitas empresas em investir no desenvolvimento de novos produtos e a decepção de muitos consumidores com os produtos adquiridos fizeram com que muitas empresas não tivessem o retorno esperado em seus negócios. 

 

Podemos pensar que as empresas focadas em produtos com THC estão, em contrapartida, bem-posicionadas já que no último mês de novembro tivemos o vigésimo quarto Estado americano aprovando o uso adulto. Mas isso também não é verdade.  

 

Quando analisamos o mercado com THC, as dificuldades são ainda maiores: a falta de uma lei federal impede que os produtos cruzem as fronteiras estaduais, dessa forma as empresas precisam executar todas as suas operações de forma separada em cada estado, o que dificulta o ganho de escala e a negociação com os fornecedores. Além disso, cada Estado criou as suas próprias regras dificultando ainda mais o entendimento para os consumidores e empresas do setor. 

 

Para piorar, com ambos os mercados patinando, o preço do quilo das plantas tem caído mês a mês, levando agricultores à falência e piorando a qualidade das plantas, uma vez que o setor tem investido menos em melhorias na genética e nas técnicas de cultivo e extração. Produtos feitos com plantas de menor qualidade geram ainda mais insatisfação na ponta consumidora e mais queda nas vendas, gerando um ciclo desvirtuoso em toda a indústria. 

 

A solução vem com a regulamentação. Criar regras para as empresas operarem e regras para a venda dos produtos pode parecer ruim. Mas regras dão a segurança que as empresas precisam para investirem no desenvolvimento do mercado, na criação de novos produtos e na melhoria dos processos de plantio. Criar regras traz segurança para os consumidores, que querem ter certeza de que os produtos realmente entregam tudo aquilo que está no rótulo e em suas campanhas de marketing. 

 

Essa é a diferença para o Brasil. Apesar de o mercado ainda estar em seu primeiro estágio, pois ainda temos um mercado estritamente medicinal. Temos algumas regras claras para produtos vendidos em drogarias. Laudos de análise, testes de estabilidade dos produtos e certificados de qualidade das fábricas e plantações são fundamentais para a obtenção das licenças. Nesse caso, a qualidade supera, ou deveria superar, o preço em importância. 

 

A classe médica que antes tinha poucas opções e poucas informações sobre os produtos que recomendava para seus pacientes, hoje pode comemorar uma gama de mais de 1.7 mil produtos disponíveis e mais de 25 formas farmacêuticas, aponta o último anuário da KayaMind.  

 

É verdade que a maioria dos produtos ainda chegam aos consumidores pela forma de importação, que podem não apresentar toda a segurança e eficácia que os produtos presentes nas farmácias têm. Mas a classe médica tem a possiblidade de comparar e fazer escolhas. 

 

Se o mercado brasileiro terá mais sucesso que o americano, isso não sabemos. Mas pelo menos estamos caminhando para um mercado com mais clareza e segurança para seus players. Resta agora que as regras incluídas nas RDCs (Resolução da Diretoria Colegiada) da Anvisa também estejam inseridas em leis, para realmente trazerem essa segurança ao mercado e a todos os agentes envolvidos. 

 

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

 

 

Imagem do colunista  Cintia Vernalha
Cintia Vernalha

Cintia Vernalha é formada em administração de empresas pela PUC SP e pós-graduada em Comunicação e Marketing pela USP SP. Com mais mais de 15 anos de experiência na área comercial de grandes corporações como Nestlé, Reckitt Benckiser e EMS, cintia atualmente mora na Flórida/EUA e une a sua experiência executiva e a sua vivência em um dos maiores mercados de cannabis para desenvolver estratégias de vendas e assessorar empresas que desejam ingressar no mercado de cannabis brasileiro. Em 2022 fundou a CannBoom, uma Edtech especializada no mercado de cannabis, que tem trouxe a 1ª plataforma de capacitação estruturada para a força de vendas de cannabis medicinal no Brasil.