Como a cannabis atua nas lesões no esporte

"As propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e antioxidantes fazem um diferencial pois interagem com o Sistema Endocanabinoide que diferente dos demais tratamentos que existem, MODULA a reação", diz Jimmy

Publicado em 15/01/2024


Recentemente estava fazendo minha corrida matinal, faço 3x por semana para manter um condicionamento aeróbico constante e senti uma dor no tendão calcâneo direito bem forte. Rapidamente fiz uns testes para ver se havia rompido o tendão, mas foi um estiramento muscular (ser ortopedista tem suas vantagens). Lembrei que no último fim de semana havia participado de um campeonato de futevôlei e provavelmente foi a causa do overreaching a que meu músculo foi submetido e não aguentou.

 

Infelizmente, isso acontece com certa frequência em atletas de alto rendimento (eu não chego nem perto de treinar em alta performance), mas pode acontecer com qualquer um que exagere nos seus treinos. Ao chegar em casa, coloquei gelo para analgesia e diminuir o edema (inchaço), e passei uma pomada com cannabis. Existem várias opções disponíveis no mercado para ajudar na recuperação, mas poucas vezes eu vi resultados tão surpreendentes quando uso derivados de cannabis.

 

As propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e antioxidantes fazem um diferencial pois interagem com o Sistema Endocanabinoide que diferente dos demais tratamentos que existem, MODULA a reação. Sim, está em caixa alta a palavra modula, pois esse é o grande diferencial quando se trata de resposta de reação ao seu corpo. Os anti-inflamatórios normais são bloqueadores de reações químicas, inibindo as prostaglandinas ou ciclooxigenases, que são constituintes de geração de inflamação. Logo quando bloqueados não geram a inflamação… mas em certo ponto é importante ter uma inflamação, para o corpo poder ter reação, resposta a ao estímulo nocivo, e quando se impede essa reação, o corpo deixa de aproveitar algo natural e que faz parte do processo de recuperação.

 

A cannabis através de modulação com atuação seja em receptores ou em enzimas que degradam fatores de inflamação, acabam controlando melhor essa resposta, não deixando que ela seja exagerada, mas deixando que ela ocorra em um certo nível. Assim a recuperação se torna muito mais efetiva e em menor tempo. imagine um trem que bate de frente com outro, ele será impedido de prosseguir… agora imagine um trem que vem ao lado deste e ajusta sua velocidade para não correr tão rápido, mas mantém seu curso… seria a analogia do anti-inflamatório e a cannabis em suas formas de atuar na inflamação. Isso vale também para uma das maiores indicações da cannabis em atividade física. DOMS (delayed onset muscle soresness) é um nome esquisito para aquela dor do dia seguinte depois de malhar ou de atividade física mais intensa.

 

A cannabis atua muito bem nesse tipo de microlesão muscular, pois permite que a reação aconteça (é muito importante para ganho de massa muscular e resistência) porém, sem ser exagerada. Assim, o atleta consegue diminuir o desconforto e retornar mais aos treinos com a musculatura mais rapidamente recuperada. Alguns artigos recentes trazem a confirmação desses benefícios da cannabis na DOMS (clique nas palavras artigos e recentes para acessá-los).

 

Tenho usado muito essa ferramenta em atletas das mais variadas categorias, assim como o uso oral para outros ganhos, como diminuir a ansiedade, melhora do sono, melhora do apetite e saúde intestinal. Mas, infelizmente, em épocas de competições ainda está proibido o uso de outros canabinoides, podendo utilizar somente o CBD (canabidiol). Isso quebra o efeito comitiva ou entourage, que é o sinergismo dos mais de 120 componentes que a planta possui quando é feito o extrato completo (full spectrum). Como não sou atleta e não sou submetido ao doping, posso usar tanto óleo quanto a pomada e obtive melhora bem rápida da minha lesão.

 

Acredito que muitos médicos ainda tenham receios e dúvidas sobre como aplicar ou como funciona a cannabis no corpo. Por isso estou sempre tentando exemplificar, trazer a ciência para comprovar que os efeitos benéficos existem quando for usada de maneira correta e supervisionada. Que mais atletas e profissionais de saúde se abram para procurar entender e utilizar a cannabis no esporte.

 

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Imagem do colunista Jimmy Fardin
Jimmy Fardin

Jimmy Fardin é médico ortopedista e traumatologista, com especialidade em cirurgia do joelho e artroscopia, especialista em medicina do esporte, e medicina canábica. Já participou de Olimpíadas e Paralimpíadas como médico. Experiente no tratamento de dor crônica, lombalgia, tendinites, artrose, doenças degenerativas. “Meu objetivo é cuidar de você como ser humano, não só sua patologia”