Comparação entre a Consulta Pública n° 1.316/2025 e a RDC nº 327/2019

Comparação entre a Consulta Pública n° 1.316/2025 e a RDC nº 327/2019

Consulta Pública da Anvisa propõe mudanças rigorosas na RDC 327/2019 sobre produtos de Cannabis medicinal, ampliando exigências técnicas, formas farmacêuticas e discutindo novos usos como cosméticos tópicos com CBD

Por Jair Calixto - Diretor farmacêutico do ICTCB – Instituto  de Ciência e Tecnologia Cannabis Brasil


No dia 28 de março a ANVISA publicou a esperada consulta pública que revisa e atualiza a RDC nº 327/2019, que trata sobre a Autorização Sanitária para fabricação e importação de produtos de Cannabis para uso medicinal humano e requisitos relativos à sua comercialização.


O artigo 1º estabelece  a concessão da Autorização Sanitária para produtos farmacêuticos obtidos a partir da espécie vegetal Cannabis sativa L. para fins medicinais de uso humano. A ementa, por meio de outras palavras, diz o mesmo, assim como o artigo 2º.


Seria controverso propor que este é  o momento apropriado para autorizar produtos cosméticos? Sabemos que os produtos de cannabis, com CBD (Canabidiol) e THC, seguem regiamente a Portaria 344/1998, com todos os controles de inventário e respectivos mapas. Contudo, a utilização de concentrações reduzidas de *CBD poderia ser uma alternativa para utilização em cosméticos, sabendo-se que são produtos por via tópica, não utilizam a via sistêmica e, portanto, os efeitos, não alcançariam o sistema nervoso.


*Nota: consenso entre diversos pesquisadores e médicos: o CBD  oral não tem demonstrado efeitos adversos significativos nas doses recomendadas. [GOTTSCHLING, 2020] [BREIJYEH, 2021]


Existe a possibilidade de cremes hidratantes, shampoos, loções, produtos capilares, entre outros, serem colocados no mercado como medicamentos tópicos. Contudo, o potencial do IFA isolado de CBD poderia ser usado em cosméticos, tendo em mente a proximidade da liberação do plantio em nosso território.


A Decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), motivado pelo Recurso Especial 2.024.250/PR, autorizou a importação de sementes e o plantio de cânhamo industrial no Brasil, uma variedade da cannabis destinada a fins medicinais e terapêuticos.

Essa decisão habilita o país a desenvolver sementes, cultivar cannabis e fabricar produtos em vários setores industriais. Outro dado interessante é que universidades têm desenvolvido produtos cosméticos com Canabidiol. 


Um outro ponto interessante e esperado está no artigo 10, que diz “São permitidas apenas as vias de administração oral, bucal, sublingual, inalatória ou dermatológica para os produtos de Cannabis”. 

É fato que as empresas e os prescritores esperavam ampliação das vias de administração para poder atender seus pacientes com toda a potencialidade destes produtos. Um detalhe que chama a atenção é a não inclusão da via nasal. 

Contudo, observando o Vocabulário Controlado de Formas Farmacêuticas, temos a definição de que, Via Inalatória é a administração através do sistema respiratório nasal e oral simultaneamente para efeito local ou sistêmico. Assim, não haveria sentido em manter a forma farmacêutica Nasal como uma das vias, já que a Via Inalatória a contempla.  


Além da inclusão de quatro novas formas farmacêuticas, outras  diferenças importantes  foram identificadas na Consulta Pública nº 1.316/2025, dentre elas:


1. Inclusão da possibilidade de manipulação magistral
·         Art. 2º, §1º “Inclui-se na abrangência desta Resolução a atividade de manipulação de preparações magistrais contendo exclusivamente o fitofármaco CBD, para fins medicinais de uso humano [...]”. A menção a esta possibilidade aparece no artigo 62, também.


2. Reconhecimento de quimiotipos da Cannabis
Art. 3º, IX: Introduz o conceito de quimiotipo CBD-dominante, definindo requisitos para o extrato utilizado.


3. Inclusão de capítulo sobre Renovação e Exigência de Plano desenvolvimento clínico para renovação da autorização  sanitária
Art. 39, IV a VII: Para renovar a autorização sanitária, exige-se Plano de Desenvolvimento Clínico com cronograma e documentos de aprovação por comitê de ética, com os procedimentos, cronograma, protocolos, relatórios anuais, aprovação do Dossiê de Desenvolvimento Clínico do Medicamento (DDCM) pela Anvisa, entre outros.


4. Criação de lista mais extensa de modificações pós-autorização
Art. 37: Expande a lista de mudanças que exigem anuência prévia da

- Anvisa, incluindo, mas não se limitando a :
- Inclusão de nova concentração
- Novo acondicionamento
- Alteração de excipientes, testes, etc.
E critérios para mudanças imediatas versus aquelas que requerem a manifestação prévia da Anvisa (Art. 36 e Art. 37).


5. Detalhamento Técnico-Documental:
Ampliação e especificação dos requisitos para comprovação da qualidade, do processo produtivo e da análise técnica, evidenciando a necessidade de relatórios detalhados (Art. 16 e seguintes). Citando alguns deles:

- Exigência de CBPDA – certificado de Boas Práticas de Distribuição e armazenagem para Empresas com AFE e AE de importadoras que desejam obter autorização sanitária.


- Declaração ou comprovante de cumprimento das Boas Práticas de Fabricação de IFA pelo seu fabricante;


- Dados da espécie vegetal, incluindo nomenclatura botânica completa; com subespécie, variedade, quimiotipo e cultivar, quando aplicável; origem geográfica, partes da planta utilizadas na fabricação do produto e acondicionamento;


- Discussão crítica da plausibilidade terapêutica do produto, baseada em conhecimento técnico-científico consolidado e literatura indexada sobre os perfis farmacológicos do fitofármaco CBD ou do extrato de Cannabis utilizado, incluindo canabinoides majoritários e outros constituintes relevantes;


- Discussão crítica da segurança do produto, embasada em dados de toxicologia do CBD ou do extrato de Cannabis e seus constituintes significativos, considerando conhecimento técnico-científico consolidado e literatura indexada.


6.       Rotulagem e Comunicação Visual:


- Inclusão dos critérios para uso de faixa vermelha,  conforme o teor de THC até 0,2% (Art. 27 a Art. 31).
- Proibição de termos como *"óleo de Cannabis"* e *"full spectrum"* (Art. 23, III, CP). 


7.       Exigência do Plano de Gerenciamento de Risco (PGR):

-   Artigo 56. Descrição das atividades de Farmacovigilância a serem desenvolvidas pela detentora da Autorização Sanitária.

8.       Contraindicação explícita para
-   menores de 18 anos, gestantes e lactantes (Art. 5º, §2º, CP), nas concentrações de THC acima de 0,2%. 

9.       Inclusão de cirurgiões-dentistas como prescritores (Art. 40, §1º). 

10.   Estudos de Estabilidade exigidos

- Protocolos e relatórios Estudo de estabilidade acelerada, longa duração, fotoestabilidade e em uso, conforme RDC nº318/2019.

11.   Protocolos e relatórios de validação de métodos analíticos.

12.   Terceirização da produção

-  Possibilidade de terceirizar uma ou mais etapas de produção, conforme a RDC nº 234, de 20 de junho de 2018.

Conclusões
Em síntese, a minuta apresentada na Consulta Pública traz uma reformulação abrangente no regulamento dos produtos de Cannabis para uso medicinal, tornando a regularização muito mais rigorosa, científica e formalizada do que era na RDC nº 327/2019. 


Na nossa visão, a Consulta Pública nº 1316/2025 transforma o processo, exigindo que as empresas tratem os produtos de Cannabis como medicamentos sob rigor técnico mais acentuado, especialmente para:
- Origem e taxonomia da planta.
- Qualidade, integridade e estabilidade do produto.
- Segurança do paciente e avaliação benefício-risco.
- Manipulação do canabidiol em Farmácias Magistrais.
- Inclusão de formas farmacêuticas bucal, sublingual, inalatória e dermatológica
- Requisitos técnicos, documentais e de controle mais detalhados,
Critérios mais rigorosos para rotulagem e comunicação com o consumidor.
- Procedimentos mais abrangentes para alterações pós‑autorização e Mecanismos de supervisão pós‑mercado mais robustos.
 

Essas mudanças – expressas em diversos novos artigos e alterações textuais – refletem o intento de atualizar a regulação com base na evolução técnica, científica e de boas práticas, proporcionando maior segurança e clareza na fabricação, comercialização e controle dos produtos de Cannabis para fins medicinais.


Por outro lado, a possibilidade de estender o uso de CBD para outras áreas da saúde, as quais não foram contempladas, poderia beneficiar diversos outros usuários e fomentar a economia brasileira.


Fontes e Referências



1-      AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA. RDC Nº 327, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2019. Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências. Brasília, 2019.

2-      AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA. MINUTA DE RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC. Consulta Pública nº 1316 de 27 de março de 2025. Dispõe sobre a Autorização Sanitária para fabricação e importação de produtos de Cannabis para uso medicinal humano, estabelece requisitos relativos à sua comercialização, e dá outras providências. Brasília, 2025.

3-      AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA. Vocabulário Controlado de Formas Farmacêuticas, Vias de Administração e Embalagens de Medicamentos. Brasília, 2011.

4-      GOTTSCHLING, S. et al. Safety considerations in cannabinoid-based medicine. International Journal of General Medicine, vol. 13, p. 1317-1333, 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7720894/pdf/ijgm-13-1317.pdf. Acesso em: 24 abr. 2022.

5-      BREIJYEH, Z.; Jubeh, B.; Bufo, S.A.; Karaman, R.; Scrano, L. Cannabis: A Toxin-Producing Plant with Potential Therapeutic Uses. Toxins, vol. 13, n. 2, 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/2072-6651/13/2/117. Acesso em: 11 abr. 2022.