Dermatite atópica e o sistema endocanabinoide

Dermatite atópica e o sistema endocanabinoide

A pele como barreira de defesa

Publicado em 09/02/2025

A pele é o maior órgão do corpo, dispondo de uma estrutura ativa e complexa que fornece a primeira barreira de defesa contra lesões e infecções (Río, 2018). A dermatite atópica canina (DA) é uma doença comum, de caráter inflamatório e pruriginoso, que ocorre em cerca de 58% da população canina afetada por doenças de pele. O prurido é a principal característica clínica do paciente e ocorre prioritariamente na região periocular, perioral, pavilhões auriculares, abdome, região inguinal, axilas, períneo e patas, podendo ser sazonal ou não, de acordo com os alérgicos envolvidos. Essa condição promove lesões secundárias, como otite externa, escoriações, alopecia, liquenificação, hiperpigmentação e seborreia, decorrentes do processo inflamatório secundário, das infecções secundárias e da automutilação do paciente (Hensel, 2015).

Origem multifatorial da dermatite atópica

Apesar de sabermos que a DA é uma doença multifatorial, há um debate sobre sua principal causa ser devido a anormalidades imunológicas, o que chamamos de teoria de fora para fora, ou por uma disfunção da barreira epidérmica, que chamamos de teoria de fora para dentro (Waldman, 2018). A epiderme é composta por uma camada fina de queratinócitos que se diferenciam em corneócitos enquanto se move para a camada mais superior da epiderme, formando uma camada fina de queratinócitos mortos que compõe o estrato córneo, camada que cobre toda a epiderme e protege contra perda de água e substâncias externas como microrganismos. Essa diferenciação dos queratinócitos é falha no DA, permitindo que alérgenos penetrem e interajam com as células do sistema imunológico (Wollenberg, 2014).

Disfunções na barreira epidérmica

Esse defeito na barreira é induzido pela diminuição na expressão de filagrina (FLG), defeito na barreira questionável por comprometer a agregação de queratina nos corneócitos, e pela ativação de receptores tipo Toll e PAR-2, que fazem estimulação da resposta imunológica contra patógenos e realizando a transmissão nervosa da experiência, iniciando e mantendo os sintomas da DA (Waldman, 2018; Arcique, 2020). Devido às lesões na barreira epidérmica, os antígenos externos oferecem penetração até a derme, onde interagem com células dendríticas, que captam e apresentam essas substâncias aos linfócitos T CD4, fazendo a liberação de citocinas pró-inflamatórias como a IL-4, IL-5 e IL-13 e ativando linfócitos Th2, promovendo mais irritação pela liberação de citocinas, aumento da produção de linfopoietina estromal tímica (TSLP), eosinofilia, aumento dos níveis de imunoglobulina E (IgE) e estímulo da produção de IL-31, que contribui para o prurido, suprimindo proteínas da barreira epidérmica e peptídeos antimicrobianos (Angelina, 2020; Arcique, 2020).

Lesões crônicas e inflamação na dermatite atópica

Em lesões crônicas de cães atópicos há um predomínio dos linfócitos T CD4 e CD8 que estimulam a produção de IL-12, IL-13, IL-22, IFN-γ e macrófagos, promovendo mais inflamação, aumentando a resistência da pele, a perda de água pela pele e a severidade da doença (Katayama, 2017; Schlotter, 2011).

Papel do sistema endocanabinoide na pele

Apesar de a maioria dos estudos sobre o sistema endocanabinoide estarem relacionados ao sistema nervoso central e aos processos imunológicos, sabe-se hoje que a sinalização canabinoide está relacionada a diferentes tipos de células como queratinócitos, melanócitos, mastócitos e fibroblastos, apresentando forte envolvimento na manutenção da homeostase da pele, formação e regeneração da barreira sistêmica. Portanto, a desregulação da sinalização canabinoide contribui para o desenvolvimento de doenças, como a dermatite atópica (Tóth, 2019).

Inibidores da NAAA e tratamento tópico

Um estudo com DA causado pelo uso tópico de DNFB, um sensibilizador de contato, nas orelhas de camundongos, mostra a amidase ácida N-aciletanolamina (NAAA) como um alvo para o tratamento desta doença. A NAAA está presente em macrófagos e linfócitos, atuando na regulação da resposta imune e catalisando a manipulação da PEA. A utilização de um inibidor da NAAA, o ARN077, aplicado de forma tópica nas orelhas dos animais com DA promoveu aumento da PEA no tecido e normalizou os níveis de citocinas (IL-4, IL-5 e IFN-γ) e IgE circulantes, a perda de água pelo tecido, o edema e a coceira. Os efeitos do ARN077 são comparáveis ​​aos efeitos de corticoides descritos, mas sem o potencial de causar atrofia de pele a longo prazo. O estudo mostra a NAAA como um alvo para o desenvolvimento de novos tratamentos para a DA (Sasso, 2018).

Ação do THC na dermatite de contato

Outro trabalho em camundongos, também utilizando o DNFB, mostrou a ação anti-inflamatória do THC tópico em dermatite de contato independente da ação de CB1 e CB2. Os camundongos sem receptores CB1 e CB2, após serem sensibilizados pelo DNFB, desenvolvem edema alérgico no local da aplicação devido ao aumento da atividade de quimiocinas pró-inflamatórias e recrutamento de células do sistema imunológico. A aplicação do THC nesses camundongos diminui o edema alérgico, inibe a produção de IFN-γ pelos linfócitos T, diminui mediadores pró-inflamatórios decorrentes dos queratinócitos que fazem a infiltração de células imunes independentes dos receptores CB1 e CB2, mostrando a efetividade dos canabinoides para o tratamento de doenças dermatológicas inflamatórias (Gaffal, 2013).

Considerações finais

A utilização de canabinoides em doenças alérgicas promove a diminuição do edema alérgico e dos mediadores pró-inflamatórios. Além disso, a presença e ativação de receptores canabinoides nos queratinócitos auxiliam na manutenção da homeostase da barreira epidérmica, evidenciando a eficácia dos canabinoides para o tratamento de doenças dermatológicas inflamatórias (Angelina, 2020; Gaffal, 2014). Uma terapia multimodal é uma abordagem mais desagradável em pacientes atópicos devido à complexa base imunológica da doença. Por isso, a modulação da resposta imune do paciente por meio do uso de canabinoides pode ser uma alternativa eficaz para alcançar uma terapia de sucesso a longo prazo.

Imagem do colunista Neide Griebeler
Neide Griebeler

Médica Veterinária | Anestesiologia e Medicina canabinoide