"E aí, como vai? Na correria?"

Veja a coluna da Lina Dantas

Publicado em 11/02/2024
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O estresse é uma condição que acomete 90% da população mundial, segundo a OMS, e cerca de 50% da população brasileira. Com a globalização, internet, fluxo exponencial de informações e a luta crescente pela sobrevivência num mundo cada vez mais populoso, o estresse patológico se tornou cotidiano. O olhar clínico descreve o estresse fisiológico como a resposta natural e instintiva do Sistema Nervoso Autônomo, e o patológico como a condição de manutenção dessa resposta estressora, muitas vezes sem um gatilho específico.

O eixo HPA e o SNS estão interligados e atuam em paralelo para aumentar a capacidade de lidar com o estresse imediato e evitar ameaças semelhantes no futuro. A reação de "lutar ou fugir" faz parte da resposta aguda ao estresse, que mobiliza a glicose/energia necessária e aumenta o fluxo sanguíneo para os músculos. Mentalmente, a atenção à ameaça, o foco e o tempo de vigília aumentam, enquanto a consolidação da memória também é facilitada para que a ameaça possa ser identificada no futuro.

No livro "O despertar do tigre", o neurocientista Dr. Peter Levine demonstra que o animal selvagem responde a um estímulo estressor com uma resposta de luta ou fuga, ou mais raramente o congelamento, mas que quando cessado o estímulo, rapidamente retorna à homeostase habitual. Um coelhinho que foge desesperadamente para sobreviver ao ataque da raposa, no dia seguinte se alimenta normalmente no mesmo local do ataque anterior, sem resposta traumática, enquanto nós seres humanos, e até alguns pets, mesmo que a "raposa" não esteja mais presente, podemos reviver a cena estressora, repetidas vezes, num angustiante vórtice sem fim.

A perspectiva ayurvédica, a medicina ancestral indiana, sobre as qualidades (gunas) da mente (chitta), demonstra a presença de três forças: rajas (movimento/positivo), tamas (inércia/negativo) e satva (equanimidade/neutro). Todos os seres têm espectros variáveis dessas três qualidades, e existem técnicas de estilo de vida, alimentação e hábitos que podem modificar esse padrão. Numa análise global, o mundo está extremamente rajásico, e a "correria desenfreada" pela subsistência, os alimentos industrializados, cafeína e estimulantes, o álcool e o tabagismo e o fluxo incessante de informações aumentam o rajas da mente. O excesso de movimento converge no desgaste que aumenta o tamas e, portanto, a fadiga, a inércia, a negatividade, apatia, dúvida, procrastinação e depressão.

O sistema endocanabinóide é um dos principais reguladores da resposta ao estresse, e por resultar na homeostase, a sua ação aumenta a equanimidade interior e a qualidade Satva, do corpo e da mente. Muitas referências justificam os efeitos terapêuticos da meditação, exercício físico, alimentos orgânicos, qualidade de sono e práticas integrativas pelo reforço do sistema endocanabinoide. E quando comparamos toda a dedicação necessária para garantir o sistema endocanabinóide normofuncionante, com o ritmo habitual de vida de milhões de seres humanos, concluímos que talvez a forma mais rápida e prática de modular este sistema maestro interno seja a aplicação sublingual de gotinhas de um produto full spectrum rico em Canabidiol. O PEA e o Cacau são outras estratégias de suplementação.

A nível molecular, sem um gatilho estressor, a sinalização da Anandamida (AEA), o THC endógeno, no receptor CB1 (CB1R), inibe a liberação de noradrenalina pelo SNS e provoca uma inibição tônica da resposta ao estresse através do eixo HPA. O estímulo de um fator estressor (estresse agudo) eleva a hidrólise FAAH (que degrada a AEA), reduzindo a sinalização do CB1R e permitindo a ativação da resposta ao estresse que eleva a secreção de cortisol. Este, por sua vez, através de um mecanismo de feedback negativo, aumenta a produção de 2-AG (nosso CBD endógeno), que aumenta a sinalização CB1R e encerra a resposta ao estresse.

O estímulo repetido do mesmo estressor aumenta progressivamente os níveis de 2-AG, o que causa uma sinalização do CB1R progressivamente maior e, por fim, uma habituação do organismo à resposta ao estresse. A exposição ao estresse crônico causa diminuição da expressão de CB1R nos centros de estresse do cérebro, resultando em menos inibição de feedback no eixo HPA e contribuindo para níveis elevados e contínuos de cortisol após estresse crônico.

A principal ação do CBD é aumentar a sinalização no CB1R e CB2R, evitando a degradação da N-araquidoniletanolamina (AEA). Isto restringe a resposta ao estresse e suas manifestações, tanto por meio da inibição da resposta ao estresse quanto pela inibição de algumas manifestações, como ansiedade, neuroinflamação e disfunção do TGI. Dos dois principais componentes da cannabis, o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), o CBD parece ser o componente responsável por estes efeitos. Embora o THC seja um agonista parcial fraco de CB1R e CB2R, no que diz respeito à resposta ao estresse, o THC parece atuar como um inibidor competitivo de AEA e 2-AG em CB1. O canabidiol é um potenciador canabinoide exógeno seguro do sistema endocanabinoide, um tratamento útil para o estresse.

O medo é uma resposta emocional desagradável a uma ameaça imediata que pode melhorar as funções mentais, incluindo a atenção. A ansiedade também é uma resposta emocional desagradável que pode melhorar as funções mentais; no entanto, é em resposta a uma ameaça futura (não imediata). A ansiedade cria hipervigilância em antecipação à ameaça futura para ajudar os indivíduos a se prepararem para os perigos e facilita a consolidação da memória para alertar sobre ocorrências repetidas. Embora a resposta ao estresse agudo melhore a sobrevivência, o estresse excessivo e crônico impacta os sistemas cardiorespiratório, gastrointestinal e imunológico; centros executivos, cognitivos, de medo, raiva, recompensa e vigília-sono do cérebro, além de aumentar os níveis de citocinas inflamatórias, podendo promover diversas enfermidades como doenças autoimunes, neurodegenerativas e metabólicas; distúrbios dolorosos, ansiedade, depressão, psicose, disfunção cognitiva e insônia, dentre outras.

Muito importante a conscientização do processo ansiogênico que encontramos na correria cotidiana normatizada, e ainda mais essencial é a auto-observação de como o meio e nossas escolhas de vida podem estar reverberando em nossa saúde. Desacelerar quando possível, investir na própria qualidade de vida, com uma boa alimentação, sono e atividade física é uma forma de modular os efeitos adversos da rotina. Quando necessário, a Cannabis Medicinal, e cada componente do composto de canabinoides, terpenos, flavonoides entre outros, é uma estratégia terapêutica segura, eficaz e sustentável.

Imagem do colunista Lina Dantas
Lina Dantas

Dra. Lina (Carolina Dantas) CRM 23322 é médica, graduada pela EBMSP BA há 12 anos. Estudiosa e pesquisadora da Cannabis Medicinal e CBD há 5 anos. Pós Graduada em Cannabis Medicinal- Unyleya, com certificação de prescrição internacional de Cannabis WeCann Academy. Supervisora do Programa Mais Médicos há 6 anos, atua no SUS, com as Práticas Integrativas Complementares. Fundadora da UNO Clinic Brasil, vem se dedicando aos modelos de assistência e saúde Integrativa.