Jade Dragon Snow Mountain e o cânion da cannabis
Uma viagem com a planta à China ancestral
Publicado em 16/06/2024A magnífica montanha “Jade Dragon Snow Mountain” (玉龙雪山) eleva-se em 4000 metros sobre o sinuoso rio Jinsha, espelhada pelo igualmente enorme pico nevado “Haba Snow Mountain” (哈巴雪山). Fiz o trekking mais conceituado da China e um dos mais famosos do mundo, o Tiger Leaping Gorge (虎跳峡), uma trilha de 22 km cravada no cânion que leva a uma queda d’água em forma de garganta, com pedras que parecem um tigre mergulhando. E daí o nome.
Este cânion fica na província de Yunnan, fronteira com o Tibet, nos confins do sudoeste da China e local de parada obrigatória para os viajantes que buscam Shangrilá - o paraíso perdido do oriente.
Após 14 km de trilha, próximo a garganta, avistei uma mulher chinesa vendendo cachimbos e uma erva seca, verde, em sacos com cerca de 10g. Perguntei para ela em chinês “Dàmá ma? (大麻)” (É cannabis?). Ela assentiu com a cabeça e um sorriso no rosto.
Me dei conta de que a cannabis é originária daquela região e sempre cresceu de forma selvagem nas montanhas. Em 2014, data da viagem, a planta era ilegal em Yunnan. Atualmente Yunnan é uma das 2 províncias chinesas que possuem autorização para o cultivo industrial da cannabis e do cânhamo.
A cannabis é, de modo geral, vista de forma negativa na China e é ilegal usá-la ou vendê-la, inclusive o canabidiol (CBD). Apesar deste fato, a indústria do cânhamo do país está em expansão. De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o país detém 309 das 606 patentes relacionadas com a cannabis. Em termos econômicos, isto coloca a China em posição de liderança para lucrar com a “corrida verde” – à medida que países regulamentam o uso medicinal da planta.
Em relação ao uso, consumo e comércio da cannabis na China, as penas são severas, onde os infratores correm o risco de receber sentenças rigorosas, desde cinco anos de prisão até uma sentença de prisão perpétua para o tráfico. A Comissão Nacional de Controle de Narcóticos da China lançou uma campanha digital, dirigida aos adolescentes, como parte de um esforço nacional para reduzir os casos de consumo de cannabis entre os jovens.
Por outro lado, seu valor medicinal é reconhecido na cultura do país há milênios, com inúmeras referências à planta na literatura e farmacopeia chinesa, especialmente no que diz respeito às sementes, que têm sido continuamente utilizadas na medicina tradicional chinesa há pelo menos 2.500 anos.
Embora a China seja um ator importante no mercado de cannabis medicinal, não possui um programa médico em vigor. A lei também não permite o uso de cannabis para quaisquer fins médicos, mesmo mediante receita.
As opiniões de especialistas se dividem, para alguns, a legalização da cannabis é inevitável. Contudo, outros especialistas do setor discordam, afirmando que a negatividade em torno da planta, para não mencionar a falta de educação sobre os seus benefícios para a saúde, são atualmente o maior obstáculo para ultrapassar e isto não acontecerá a curto prazo.
Na minha visão, por ter morado em Xangai e, visitado diversas regiões do país, a Cannabis para uso adulto na China é irrelevante e extremamente mal vista. Seu uso está restrito a Xangai (ainda escreverei sobre a cultura canábica na maior metrópole chinesa), Pequim e Hong Kong, pois são os estrangeiros ocidentais que usam e demandam na grande maioria.
André Skortzaru é especialista em cannabis medicinal, advogado e presidente da CAA-Cannabis Amiga Associação.