Mar calmo e cuidado com C(alma): o que a cannabis me permitiu ser

Mar calmo e cuidado com C(alma): o que a cannabis me permitiu ser

Entre o esgotamento e o reencontro com a própria essência, uma médica conta como a cannabis a ajudou a redescobrir o prazer de cuidar, primeiro de si, depois dos outros | CanvaPro

Publicado em 07/12/2025

Você já deve ter escutado que “mar calmo não faz bom marinheiro”. Mas quem foi que disse que queremos ser marinheiros?


Saí da casa dos meus pais aos 16 anos, vinda de uma cidade pequena no interior do Mato Grosso. Fui morar na capital para estudar e, naquela época, já sonhava em ser uma médica bem-sucedida. Foram anos de estudo até uma nova mudança: passei na faculdade no interior de São Paulo e lá fui eu novamente, reorganizar a vida em uma cidade desconhecida.


Os anos intensos de faculdade, somados às grandes pressões e responsabilidades, culminaram em uma fase de profunda preocupação com o futuro. Nos anos de internato, me vi perdida — entre hospitais, UPAs, enfermarias, centros cirúrgicos e o nó na garganta de não me encaixar nesses ambientes. Não queria viver de plantão. Não entendia o que vinha depois da alta hospitalar. “Quem vai realmente cuidar desse paciente quando ele sair daqui?”, eu pensava.


Perdida na escolha da especialização e cogitando trancar a faculdade — afinal, que sentido fazia ser médica se eu não queria trabalhar em hospital ou fazer plantão? —, foi aí que conheci a Medicina de Família. 

Vi, no “postinho”, um campo de atuação que fazia sentido. Afinal, como já é de conhecimento popular: “prevenir é melhor do que remediar” — e uma boa base sustenta todo o prédio.

Me formei e entrei na residência de Medicina de Família e Comunidade, em Barretos. Mudei-me novamente. Dois anos intensos de residência se misturaram com a pandemia da Covid-19: o cuidado com máscaras e luvas, o toque com medo, a distância da família, dos amigos, do namorado.


A pandemia terminou, o estado de alerta foi suspenso, e veio a proposta de assumir uma equipe da Estratégia Saúde da Família. Pensei: “finalmente vou seguir meu propósito de cuidar das pessoas com c(alma)”.


Mas entre atendimentos corridos, demandas enormes, residentes, alunos, internos, enfermeiras, agentes comunitários, secretárias e burocracias intermináveis, me frustrei novamente. Não era isso que eu imaginava que era cuidar de verdade de alguém.
 

Veio então o que se tornava cada vez mais comum: o burnout. Muita gente dizia que era “frescura”, coisa de “gente fraca”, de quem “não dá conta”. Longe disso, ouvi há pouco tempo uma definição muito mais apropriada: a neurocientista Carla Tieppo diz que o burnout acomete “pessoas apaixonadas pelo que fazem”, que não respeitam seus próprios limites porque querem entregar mais naquilo que amam. Quando o reconhecimento não vem na mesma medida da entrega, acontece o estopim do esgotamento.


Me senti esgotada e sozinha. Pedi demissão, mudei novamente de cidade para morar com meu namorado e recomeçar. Foi aí que a cannabis medicinal entrou na minha vida — primeiro como um auxílio no controle da ansiedade e do sono. Depois, pela curiosidade: como uma planta poderia atuar em tantas doenças, e eu nunca tinha ouvido falar sobre ela na faculdade ou na residência?


Fui estudar, me aprofundar e entender o que era o sistema endocanabinoide — e por que ele ajudava a regular nosso corpo. Me apaixonei novamente pela possibilidade de fazer uma medicina diferente daquela que eu conhecia: uma medicina que me permitisse cuidar das pessoas sem precisar abrir mão da minha própria saúde mental. 

Afinal, como alguém em “frangalhos” consegue realmente cuidar bem dos outros?


Não dá. Não existe bom cuidado se você não é o primeiro a se cuidar. Aprendi isso no limite do meu esgotamento, sozinha comigo mesma. Entendi que eu precisava estar bem.


Encontrei novos hobbies, iniciei no crossfit — uma atividade física que realmente gosto —, e hoje o horário do treino é inegociável. Aprendi a dizer “não”, a respeitar meu corpo, a impor limites e a não me sentir culpada ou fraca por isso.


Podemos nos permitir encontrar outros caminhos nesta jornada que chamamos de vida. Nem sempre é fácil, mas é possível — com mar calmo, daqueles que permitem à gente boiar e contemplar a imensidão do céu que se mistura com a imensidão do mar e da nossa própria existência.

 Biografia do Autor Carolina Rosa
Carolina Rosa

A Dra. Carolina Rosa é médica de família pelo Hospital de Amor, com atuação focada em saúde mental, pós graduanda em psiquiatria pela Famerp. Dedicada ao cuidado de mentes ansiosas e famílias atípicas. É estudiosa do uso clínico de cannabis medicinal e utiliza fitocanabinoides como parte da sua abordagem terapêutica, baseada em ciência e empatia, para promover mais qualidade de vida e bem-estar aos seus pacientes. Seu trabalho une conhecimento técnico, escuta acolhedora e cuidado real, sempre com foco na individualidade de cada pessoa.

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