O Cânhamo no mundo

O Cânhamo no mundo

Avanços econômicos e oportunidades perdidas para o Brasil

Publicado em 29/09/2024

O cânhamo, uma planta versátil que pode ser utilizada em mais de 25.000 produtos diferentes, incluindo alimentos, tecidos, materiais de construção e produtos farmacêuticos, tem ganhado destaque no cenário econômico global. Países como Estados Unidos, Canadá, membros da União Europeia e China já estão colhendo os frutos dessa cultura, enquanto o Brasil, sem uma regulamentação clara, está ficando para trás.

Estados Unidos

 

Nos Estados Unidos, o cânhamo foi legalizado em 2018 com a assinatura do Farm Bill, que permitiu o cultivo da planta para fins industriais e medicinais. Desde então, o mercado norte-americano de cânhamo tem crescido a uma taxa impressionante. Em 2022, o mercado de cânhamo nos EUA foi avaliado em aproximadamente US$ 5,6 bilhões e a expectativa é que atinja US$ 19,8 bilhões até 2027, com grande parte dessa receita vindo da extração de CBD (canabidiol) e da indústria têxtil. O maior entrave hoje para o crescimento é a falta de infraestrutura de processamento, porém grandes usinas de decorticação estão próximas de estarem completas em estados como o Texas, Montana e Carolina do Sul, o que deve destravar o crescimento da commodity por lá.

Além disso, o cânhamo tem sido utilizado como alternativa sustentável em setores como o automotivo e o de construção. O cânhamo industrial pode substituir plásticos e outros materiais derivados do petróleo, ajudando a reduzir a pegada de carbono de diversas indústrias, o que facilita sua adoção como um cultivo de grande escala em um país como os EUA. Enquanto a infraestrutura não fica pronta, os maiores avanços do mercado estão no setor de CBD e outros canabinoides derivados da planta, que tem dominado o mercado recreativo norte americano.

Canadá

 

O Canadá foi um dos pioneiros na legalização do cânhamo industrial, permitindo seu cultivo desde 1998. O país é hoje um dos principais exportadores globais de cânhamo, com a produção voltada principalmente para alimentos e fibras. O mercado canadense de cânhamo movimenta cerca de US$ 400 milhões por ano, com exportações para os EUA, China e Europa, majoritariamente de produtos alimentícios, como grão inteiro, grão descascado, farinha e azeite, que são muito apreciados nos mercados Europeus e asiáticos, além é claro de o Canadá exercer quase um monopólio no mercado alimentar dos EUA, que ainda está engatinhando com sua produção nacional de alimentos a base da planta.

Além disso, o Canadá investe fortemente em pesquisa e desenvolvimento, com a intenção de expandir o uso do cânhamo em áreas como biocombustíveis e materiais compostos, com vários empresas multinacionais cooperando com universidades e centros de pesquisa canadenses para desenvolver novas tecnologias, trazendo muito investimento estrangeiro.

União Europeia

 

Na União Europeia, o cânhamo é visto como uma cultura estratégica para a transição para uma economia mais verde. Países como França, Alemanha e Países Baixos estão na vanguarda da produção de cânhamo industrial. A França, por exemplo, é o maior produtor de cânhamo da UE, representando mais de 50% da produção europeia. Em toda a União Europeia, o mercado de cânhamo industrial movimenta cerca de US$ 1,2 bilhão anualmente e o uso de cânhamo em materiais de construção ecológicos, como biocompósitos e isolamento, está em rápida expansão.

Além de seus benefícios industriais, o cânhamo também é cultivado para fins medicinais e para a produção de CBD, setores que também crescem rapidamente na região, principalmente agora que os extratos de cânhamo foram considerados alimentos, flexibilizando muito a venda em mercados europeus e facilitando o acesso dos consumidores. A Europa é a segunda região do mundo que mais consome alimentos a base de cânhamo, atrás somente da China.

China: O Gigante Silencioso

 

A China, onde o cânhamo é cultivado há milhares de anos, domina o mercado mundial, sendo responsável por 70% da produção global de cânhamo industrial. O país investe fortemente em pesquisas sobre as aplicações têxteis e farmacêuticas do cânhamo, além de ter uma enorme indústria de exportação. Estima-se que o mercado de cânhamo da China já ultrapasse os US$ 1,5 bilhão e continue a crescer rapidamente, impulsionado pela demanda internacional por fibras e produtos derivados de CBD.

A demanda interna chinesa por fibras de cânhamo para sua indústria têxtil é enorme, o que leva as empresas locais a buscarem alternativas de abastecimento em outros países, inclusive na América Latina, porém ainda não temos condições de abastecer essa demanda devido a falta de volume e escalabilidade da produção, além do que não há hoje infraestrutura de processamento operativa na América Latina, ocasionando que a cadeia de abastecimento até a China fique prejudicada, pois o envio de fibra crua é totalmente inviável economicamente.

Brasil: Potencial Enorme, Oportunidade Perdida

 

Enquanto o cânhamo floresce em diversas economias pelo mundo, o Brasil ainda luta para regulamentar o cultivo dessa planta, o que impede que o país explore seu potencial econômico. O Brasil, com sua vasta extensão territorial e clima ideal para o cultivo do cânhamo, poderia ser um dos maiores produtores mundiais. No entanto, sem a devida regulamentação, o país perde oportunidades significativas de receita.

Estima-se que, se o cânhamo fosse regulamentado, o Brasil poderia gerar R$ 4 a 5 bilhões por ano nos primeiros anos de produção, com potencial de crescimento exponencial à medida que novas indústrias surgissem. A ausência de uma indústria de cânhamo robusta significa que o Brasil está perdendo não só em termos de exportação, mas também em setores como a indústria farmacêutica, têxtil e de construção sustentável.

Comparativo: O Custo da Inação

 

- Estados Unidos: US$ 5,6 bilhões (2022), potencial de US$ 19,8 bilhões até 2027

- Canadá: US$ 400 milhões por ano

- União Europeia: US$ 1,2 bilhão por ano

- China: US$ 1,5 bilhão, responsável por 70% da produção global

 

Considerando que o Brasil tem capacidade para ser um dos maiores produtores mundiais, o país poderia estar capturando uma fatia significativa do mercado global. Estima-se que o Brasil perde cerca de R$ 4 bilhões por ano por não ter uma regulamentação adequada, além de não aproveitar os benefícios ambientais e econômicos que o cânhamo poderia trazer.

O cânhamo é uma cultura de futuro, com vastas aplicações que vão desde o setor de saúde até a construção civil. Enquanto países como os Estados Unidos, Canadá, China e membros da União Europeia colhem os frutos de uma indústria regulamentada e em expansão, o Brasil continua atrasado. A regulamentação do cânhamo no Brasil poderia não apenas trazer enormes benefícios econômicos, mas também posicionar o país como um líder global em sustentabilidade e inovação industrial. O potencial está aqui, esperando para ser explorado.
 

Imagem do colunista Lorenzo Rolim
Lorenzo Rolim

Lorenzo Rolim da Silva é Engenheiro Agrônomo e presidente da LAIHA (Associação Latino-Americana de Cânhamo Industrial).