O desperdício têxtil e o cânhamo: A oportunidade sustentável que o Brasil está perdendo

O desperdício têxtil e o cânhamo: A oportunidade sustentável que o Brasil está perdendo

Apesar do alto desperdício têxtil no Brasil, o país ignora o potencial sustentável e econômico do cânhamo, uma fibra ecológica, resistente e subutilizada devido à falta de regulamentação

Publicado em 03/08/2025

A indústria da moda é uma das mais influentes e uma das mais poluentes do planeta. Em contrapartida, em relação ao descarte de tecidos, pesquisas indicam que o desperdício global chega a US$ 500 bilhões por ano.


O setor movimentou R$ 215 bilhões em 2024 no Brasil, segundo a ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), representando um crescimento de aproximadamente 7% em relação ao ano anterior [1]. Outro dado importante: são descartadas 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis anualmente no território nacional, e esse volume expressivo de descarte é impulsionado pelo consumo excessivo e pela baixa taxa de reutilização e reciclagem de tecidos — entraves para a competitividade e a inovação.


O impacto ambiental proveniente do descarte têxtil é altamente significativo, contribuindo para a poluição da água e a geração de resíduos em aterros sanitários. Esse desperdício traz uma perda econômica representativa. No Brasil, isso representa, em cada residência, o descarte médio de 44 quilos de roupas e calçados em 2024. A maior parte dos resíduos descartados ainda é composta por matéria orgânica (45%), seguida por resíduos secos (35%) e resíduos têxteis (6%). Por outro lado, os sistemas separados e dedicados de coleta de têxteis são pouco desenvolvidos e não capturam todos os têxteis colocados no mercado [2].

 

Indústria Têxtil a partir da Cannabis sativa


Na indústria têxtil a partir da Cannabis sativa, destacam-se as vantagens do cânhamo em relação ao algodão e a outros materiais. O cânhamo, obtido da planta Cannabis sativa, é utilizado para produzir tecidos de alta qualidade, sendo mais ecológico e menos absorvente de água do que o algodão [3].


Historicamente, os tecidos de cânhamo são conhecidos desde o oitavo milênio a.C. e foram amplamente utilizados até a introdução do Marihuana Tax Act, nos EUA, em 1937 [3]. Especialistas afirmam que os tecidos de cânhamo são mais duráveis, extensíveis, quentes, delicados e possuem alta absorção de água em comparação com os tecidos de algodão [3].

 

Legalização e Crescimento da Indústria


A recente legalização do cânhamo em vários países tem impulsionado seu uso na indústria têxtil global [4]. O cânhamo é uma das fibras naturais mais fortes, oferecendo melhor proteção UV e sendo considerado sustentável devido às suas propriedades hipoalergênicas, antivirais, antibacterianas e antimicrobianas [5]. Além disso, requer menos água para crescer e é regenerador do solo [5].

 

Cânhamo: A Fibra Sustentável que Pode Transformar o Futuro


Do ponto de vista de aplicações e pesquisa, o cânhamo pode ser usado em misturas com outras fibras ou como conteúdo 100% em têxteis como vestuário, roupas de cama, calçados e artigos para o lar [6]. A pesquisa está avaliando o cânhamo para reforço de fibras em novas aplicações compostas, onde a sustentabilidade, a resistência da fibra e os benefícios de custo são intrigantes [7].


Enquanto toneladas de tecidos são descartadas, uma matéria-prima altamente promissora segue subutilizada: o cânhamo industrial. Derivado da planta Cannabis sativa, o cânhamo possui fibras longas, resistentes e biodegradáveis, ideais para a produção têxtil.

Além disso, seu cultivo é altamente sustentável: requer menos água que o algodão, cresce rapidamente, dispensa agrotóxicos e ainda regenera o solo, reduzindo o uso de fertilizantes para a próxima cultura, já que o cânhamo é uma das plantas que mais sequestram carbono da atmosfera, fixando nutrientes essenciais para o desenvolvimento do próximo plantio. 

Apesar de seu potencial, o cânhamo ainda enfrenta barreiras legais no Brasil e não pode ser cultivado legalmente. Isso impede o país de acessar um mercado em plena expansão.

Segundo Thiago Zilio, presidente do ICTCB – Instituto de Ciência e Tecnologia Cannabis Brasil, “Apesar dos pequenos avanços na reutilização de sobras de tecido, o grande problema do setor ainda é o fast fashion, responsável por uma enorme produção de roupas descartáveis e sintéticas, que acabam virando microplásticos no meio ambiente.”... “O cânhamo surge como uma alternativa sustentável, capaz de aumentar a durabilidade das peças e oferecer propriedades termorreguladoras e antibacterianas, além de ser biodegradável — ao contrário das fibras sintéticas, que poluem e têm vida útil curta”, afirma Zilio.

 

Desafios e Educação do Consumidor


A educação adequada do consumidor é um grande desafio para a indústria do cânhamo. Há muita desinformação sobre o tema, gerando uma má reputação imerecida [6]. No mercado, há empresas que estão focadas em desenvolver os melhores produtos derivados do cânhamo e educar os consumidores sobre seus benefícios reais.


Outro desafio é a distinção entre produtos reais e falsos no mercado, onde os genuínos são baseados na ciência e garantem que os consumidores recebam produtos de qualidade e segurança atestadas.


As percepções equivocadas sobre o cânhamo também representam um desafio significativo. Cabe à indústria, com o apoio do Estado e fomento às pesquisas e à ciência, trabalhar para mudar essas percepções na sociedade e mostrar que os produtos de cânhamo são uma alternativa real ao mercado têxtil nacional e internacional.

 

Perspectivas: Um Mercado Bilionário em Crescimento


O mercado global de fibra de cânhamo foi avaliado em US$ 7,55 bilhões em 2022 e deve atingir impressionantes US$ 73,55 bilhões até 2030, com uma taxa de crescimento anual (CAGR) de 33,57% [8]. Já o mercado de cânhamo industrial como um todo deve crescer de US$ 2,6 bilhões em 2024 para US$ 5,84 bilhões em 2029, com CAGR de 17,56% [9].
No Brasil, um estudo da Kaya Mind estima que a regulamentação do cânhamo poderia gerar 117 mil empregos e movimentar R$ 26,1 bilhões em apenas quatro anos [10]. Isso sem contar os benefícios ambientais e sociais de uma cadeia produtiva mais limpa e descentralizada. Esses fatores combinados fazem do cânhamo não farmacológico uma opção mais sustentável e eficiente para a indústria têxtil, ajudando a reduzir o desperdício de tecidos.

 

Por que esta revolução ainda não chegou?


A resposta para a não utilização sustentável têxtil do cânhamo pode estar na falta de regulamentação e no estigma social. A ausência de políticas públicas claras sobre o cultivo e uso do cânhamo impede investimentos, inibe a inovação e mantém o Brasil fora de um mercado estratégico. Enquanto isso, países como China, França e Turquia avançam na produção e exportação da fibra. Outro ponto de atenção é a dependência das importações, o que leva ao encarecimento e a entraves na produção interna.


Do ponto de vista científico, foi criado recentemente um grupo de trabalho de Regulamentação Científica composto por especialistas de todo o país para propor avanços regulatórios da cannabis medicinal e do cânhamo para fins industriais. O objetivo é compor uma Nota Técnica em até cinco pontos por área temática, com participação de entidades de grande reconhecimento, tais como a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 31 instituições de pesquisa, 29 universidades como a UNESP e a SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [11]. Dessa forma, é louvável a iniciativa, ainda que tardia e em descompasso com os avanços mundiais.

 

Cânhamo — A Janela Aberta para a Inovação Sustentável Têxtil


Por fim, o cânhamo representa uma solução concreta para os desafios ambientais e econômicos da indústria têxtil. Ignorar seu potencial é desperdiçar uma chance de ouro de transformar o setor em um modelo mais circular, eficiente e sustentável.


O Brasil tem tudo para liderar essa revolução verde — solo fértil, clima favorável, capacidade industrial, tecnológica, científica e um mercado consumidor crescente por produtos sustentáveis. O que falta é interesse, conhecimento, vontade política, além de visão estratégica.

 Biografia do Autor Tatiane Rodrigues Ramos
Tatiane Rodrigues Ramos

Tatiane Rodrigues Ramos, mSC. é vice-diretora técnica – ICTCB (Instituto de Ciência e Tecnologia Cannabis Brasil).