O impacto da insegurança jurídica no acesso à saúde
Mesmo com autorizações para o cultivo, extração, produção e comercialização dos derivados da cannabis, muitas entidades acabam sofrendo com ações policiais
Publicado em 28/07/2024A insegurança jurídica que permeia o uso medicinal da cannabis no Brasil é um reflexo de um sistema que ainda não se adaptou aos avanços científicos e às necessidades reais da população. A falta de regulamentação sobre a atividade das associações de pacientes que oferecem tratamento com a cannabis medicinal, aliada à paralisação das ações relacionadas à autorização para cultivo, está ameaçando o tratamento de mais de 114 mil pacientes atendidos por essas entidades.
Não são raros os casos de associações que, mesmo pleiteando na Justiça a autorização para plantio e produção do óleo, passam a ser investigadas pela Polícia Civil por enviar o produto aos seus associados. A atuação dessas entidades sem a devida autorização judicial coloca os responsáveis em risco de prisão e processos por tráfico de drogas, criando um cenário de incerteza e medo.
A situação se agrava com a paralisação, há mais de um ano, das ações dessas entidades no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A crise foi desencadeada por uma decisão da Primeira Seção do STJ, que admitiu um Incidente de Assunção de Competência (IAC) sobre o pedido de uma empresa de biotecnologia. O principal efeito colateral desse processo foi a suspensão nacional de todas as ações relacionadas à autorização para cultivo de cannabis para fins medicinais.
Operar sem regulamentação coloca em risco a operação de associações espalhadas por todo o Brasil. Essas entidades desempenham um papel social crucial, oferecendo cannabis medicinal de forma gratuita à população carente, como acontece com as famílias da ONG Especiais da Maré (RJ), e a preços subsidiados para aqueles que não têm condições financeiras de importar o remédio ou comprá-lo em uma farmácia.
Das 137 associações dedicadas ao suporte de pacientes no Brasil, nem 20 possuem autorização legal para operar. A suspensão das ações judiciais prolonga o tempo de espera e aumenta o risco para todos os envolvidos.
Há um descompasso enorme entre os avanços científicos, o uso medicinal da cannabis e a legislação brasileira. Ameaçar o fornecimento do óleo não apenas priva os pacientes de seu direito à saúde e à dignidade, mas também agrava significativamente seus quadros clínicos, causando dor e sofrimento em nome de um preconceito contra uma planta que traz tantos benefícios à saúde.
A regulamentação adequada e a celeridade nas decisões judiciais são imperativas para garantir que milhares de pacientes não sejam privados de tratamentos que podem melhorar significativamente sua qualidade de vida. A sociedade precisa reconhecer a importância dessas associações e pressionar por uma legislação que permita a continuidade de seu trabalho sem o constante medo de represálias legais. E o Congresso precisa legislar para o bem da sociedade, abandonando velhos preconceitos. A saúde e a dignidade dos pacientes devem ser prioridades inquestionáveis em qualquer sociedade que se pretenda justa e humana.
*Ladislau Porto é advogado do escritório Dantas e Porto, especialista em Direito Canábico e representa mais de 15 associações de pacientes