Passado, presente e futuro da cannabis medicinal no Brasil
Um desafio ao leitor
Publicado em 15/09/2024PASSADO
Katiele de Bortoli Fischer, uma paisagista brasileira de 38 anos, viu sua vida mudar drasticamente em 2012. Naquele ano, sua filha caçula, Anny, recebeu o diagnóstico da síndrome CDKL5, um distúrbio neurológico raro que causava até 80 convulsões por semana. As crises eram tão intensas que Anny parou de andar e não conseguia mais se alimentar. Nenhum medicamento disponível na época conseguia minimizar as consequências dessa síndrome devastadora.
Desesperados por uma solução, Katiele e eu, seu marido e pai da Anny, decidimos importar ilegalmente uma substância derivada da maconha, o tão falado canabidiol (CBD). Surpreendentemente, o tratamento com o CBD apresentou resultados promissores desde o primeiro uso, melhorando a qualidade de vida de Anny.
Determinados a lutar pela legalização da substância no Brasil, nós, a família Fischer enfrentamos desafios na Justiça até que, em 2014, conseguimos uma autorização pioneira para importar o medicamento. Essa decisão abriu caminho para o uso medicinal da maconha no país, marcando um marco histórico na busca por tratamentos eficazes para condições neurológicas graves.
Anny Fischer foi a pioneira e esse fato histórico ocorreu fazem apenas 10 anos.
Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a liberação da venda em farmácias de produtos à base de cannabis para uso medicinal, trazendo alívio para pacientes como Anny. Embora o caminho ainda seja longo, essa notícia representa um avanço significativo para aqueles que dependem desse tipo de tratamento.
PRESENTE
Atualmente, o cenário regulatório da cannabis para fins medicinais no Brasil passa por importantes transformações:
1. Regulamentação Vigente:
- A Resolução RDC 327/2019 permite a concessão de Autorização Sanitária para empresas comercializarem produtos à base de cannabis em farmácias e drogarias.
- A RDC 660/2022 estabelece as condições gerais para a importação desses produtos por pessoa física.
2. Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR):
- A Anvisa aprovou um relatório extenso sobre o cenário regulatório da cannabis medicinal.
- O relatório apoia a manutenção da estratégia de autorização dos produtos de cannabis e sugere melhorias na regulamentação.
Entre as melhorias propostas estão:
- Renovação da autorização sanitária por mais 5 anos.
- Ampliação das vias de administração, incluindo as vias oral, inalatória e dermatológica.
- Previsão de tempo para comercialização e esgotamento de estoque.
- Necessidade de estudos clínicos para migrar produtos de cannabis para a categoria de medicamentos.
FUTURO
Nos próximos 10 anos, espera-se que o cenário da regulamentação da cannabis medicinal no Brasil passe por importantes transformações. Aqui estão algumas considerações sobre o que deveria acontecer e o que provavelmente irá ocorrer:
1. Ampliação do Acesso:
- Deveria Acontecer: O acesso à cannabis medicinal deve ser ampliado para atender a um número maior de pacientes com condições médicas diversas.
- Provavelmente Irá Acontecer: Com base nas tendências internacionais e na crescente aceitação da cannabis como tratamento, é provável que o acesso seja ampliado, permitindo que mais pessoas se beneficiem dos produtos à base de cannabis.
2. Pesquisa e Desenvolvimento:
- Deveria Acontecer: Investimentos em pesquisa científica devem ser incentivados para entender melhor os efeitos terapêuticos da cannabis e desenvolver produtos mais eficazes.
- Provavelmente Irá Acontecer: Com o aumento do interesse e da demanda, é esperado que haja mais investimentos em pesquisas clínicas e no desenvolvimento de medicamentos à base de cannabis.
3. Regulamentação Específica para Cultivo e Produção:
- Deveria Acontecer: Uma regulamentação específica para o cultivo e produção de cannabis medicinal deve ser estabelecida, garantindo qualidade, segurança e padrões adequados.
- Provavelmente Irá Acontecer: À medida que o mercado se expande, é provável que haja uma regulamentação mais detalhada para garantir a qualidade dos produtos e a segurança dos pacientes.
O Brasil está caminhando em direção a uma regulamentação mais abrangente e inclusiva da cannabis medicinal. Com o tempo, espera-se que mais pacientes tenham acesso a tratamentos eficazes, principalmente por intermédio das associações de pacientes, e que a indústria canábica contribua significativamente para a economia do país e o bem-estar da população.
DESAFIO
Como conclusão deste artigo, lanço um desafio a cada leitor: seja um agente de mudança. Nos próximos 10 meses, comprometa-se a fazer duas ações simples, mas impactantes e que irão acelerar os acontecimentos previstos para os próximos 10 anos.
1. Compartilhe o Conhecimento:
- Apresente o tema da cannabis medicinal a pelo menos uma pessoa que não esteja familiarizada com o assunto. Pode ser um amigo, um familiar ou um colega de trabalho.
- Explique os benefícios terapêuticos, a história e os avanços na regulamentação.
- Ao compartilhar informações, você contribui para desmistificar preconceitos e disseminar o entendimento sobre o uso responsável da cannabis.
2. Questione os Profissionais de Saúde:
- Questione pelo menos um profissional da área de saúde (médico, enfermeiro, farmacêutico) sobre o conhecimento dele em relação ao sistema endocanabinoide e ao tratamento com cannabis.
- Essa conversa pode abrir portas para discussões mais amplas e incentivar a busca por evidências científicas sobre o potencial terapêutico da cannabis.
Lembre-se de que pequenas ações individuais podem gerar grandes mudanças coletivas. Juntos, podemos acelerar o avanço da cannabis medicinal e oferecer esperança a quem precisa.
Vais aceitar o desafio e vamos juntos fazer a diferença?
*Nota: Este desafio visa promover a conscientização e o diálogo construtivo sobre a cannabis medicinal. Consulte sempre um profissional de saúde antes de iniciar qualquer tratamento.*
Norberto Fischer é pai de Anny Fischer, primeira brasileira autorizada legalmente a importar o extrato da maconha para uso medicinal. Tornou-se articulador político no Brasil, com repercussão internacional, destacando-se no ativismo pelo direito ao acesso, distribuição pelo SUS, custeio dos tratamentos pelos planos de saúde, plantio e produção nacional por empresas, ONGs e autocultivo.