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Surf e maconha: dá match?
Desconstruindo estigmas e explorando o uso da cannabis no esporte
Publicado em 17/02/2025Esses dias, estava saindo do trabalho e passei pela orla para olhar o mar. Vi alguns surfistas curtindo um cigarro de maconha e me veio uma reflexão:
No imaginário popular, o surfista muitas vezes é associado a um estereótipo de desleixo, descompromisso, talvez até a uma vida sem direção. De bermuda, cabelo bagunçado pelo sal do mar, de chinelo e, às vezes, um cigarro de maconha na mão. O uso da cannabis, por sua vez, também é cercado de estigmas e julgamentos. É comum associá-la ao "vagabundo", à pessoa sem ambição ou, no melhor dos casos, ao "tranquilão", relaxado e despreocupado. Mas o que acontece quando esses dois estigmas se sobrepõem? O surfista que usa maconha, por exemplo, seria, então, alguém sem foco, sem compromisso, sem responsabilidades?
É hora de quebrar esses mitos.
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O surfista não é só a imagem de praia e desleixo
A cultura do surf sempre foi muito associada à liberdade, à conexão com a natureza e ao prazer de estar no mar. Para muitos, o surf é uma filosofia de vida, que envolve disciplina, treinamento e uma imersão profunda no que o esporte representa. Entretanto, ao longo dos anos, a imagem do "surfista doidão", que vive à margem da sociedade, foi estigmatizada.
É comum, ainda hoje, quando alguém menciona o surf, evocar uma imagem de alguém descompromissado, sem profissão fixa, morando em uma casa simples ou até em uma "barraca" à beira da praia. Mas o que muitos não sabem é que a realidade dos surfistas é muito mais complexa. Existem profissionais do surf que são, na verdade, pessoas extremamente disciplinadas, com uma rotina de treinamento rigorosa, que combinam suas paixões com carreira, estudo e até negócios.
Hoje, vemos surfistas profissionais sendo grandes empresários, influenciadores, atletas e até defensores de causas ambientais. Muitas mulheres também se jogam nas ondas. Muitos deles vestem camisa social, falam de empreendedorismo e têm uma vida muito mais estruturada do que o estereótipo da "praia" faz parecer. Sim, eles estão no mercado de trabalho, cuidam de seus negócios, têm projetos e responsabilidades. Não é o “vagabundo" que muitos imaginavam. Pelo contrário, é um ser de visão, que mantém seu amor pelo mar, mas também entende a necessidade de crescer e se desenvolver em outros campos, muitas vezes trazendo esse ambiente mais descontraído para a rigidez do mercado de trabalho.
Maconha: desconstruindo o preconceito
O uso da cannabis também carrega um fardo de preconceito. Associada a vícios, marginalização e uma vida sem rumo, a maconha, como substância, é muitas vezes vista sob uma ótica negativa. Mas, assim como o surfista de camisa social, a maconha é mais do que as associações rasas que fazem dela.
A cannabis tem sido amplamente estudada por seus potenciais benefícios terapêuticos. O uso medicinal, em especial, tem mostrado efeitos positivos para condições como ansiedade, depressão, dor crônica e até epilepsia. Além disso, muitos surfistas e atletas em geral a utilizam para recuperação muscular e alívio de dores. O preconceito recai sobre uma substância que, em muitos contextos, é mais benéfica do que a imagem de "droga recreativa" sugere.
É importante entender que o uso responsável da maconha não é incompatível com uma vida profissional bem-sucedida ou com o desejo de atingir metas e realizar sonhos. A associação entre maconha e "vagabundagem" é uma narrativa ultrapassada, que precisa ser revista.
O surfista que usa maconha não é menos competente
Voltemos ao ponto de interseção: o surfista que usa maconha. Ele não é menos disciplinado ou competente do que qualquer outro atleta ou profissional. A cannabis pode até ser uma ferramenta de relaxamento, mas isso não diminui a habilidade, o esforço ou a dedicação do surfista.
Assim como um atleta de outras modalidades pode utilizar diferentes formas de recuperação e relaxamento, o surfista, seja ele profissional ou amador, pode contar com a cannabis para aliviar dores ou mesmo para entrar em um estado de maior conexão consigo mesmo e com o ambiente.
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Quebrando barreiras e estigmas
A verdade é que os estigmas em torno do surf e da maconha vêm de uma compreensão superficial e limitada. É preciso começar a olhar para essas duas questões de forma mais crítica e menos preconceituosa. O "surfista de camisa social" representa a desconstrução desse estereótipo: um homem que, além de amar o mar, é capaz de transitar entre os diferentes mundos da sociedade sem perder sua essência.
A maconha, por sua vez, não define quem uma pessoa é ou o que ela é capaz de conquistar. Se o surfista é alguém que encontra equilíbrio no mar e na vida, ele pode também encontrar equilíbrio no uso responsável da cannabis, sem que isso comprometa seu profissionalismo ou seu potencial.
Quando olhamos para esses temas sem o filtro do preconceito, podemos finalmente enxergar o surfista não como um "desleixado", mas como um ser humano multifacetado, que pode equilibrar o lazer, a paixão e o trabalho com responsabilidade e competência.
A essência do surf é sem julgamento, é a perfeita integração entre você e a natureza.
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Jimmy Fardin é médico ortopedista e traumatologista, com especialidade em cirurgia do joelho e artroscopia, especialista em medicina do esporte, e medicina canábica. Já participou de Olimpíadas e Paralimpíadas como médico. Experiente no tratamento de dor crônica, lombalgia, tendinites, artrose, doenças degenerativas. “Meu objetivo é cuidar de você como ser humano, não só sua patologia”