“Tu te tornas responsável pela Cannabis que sativa”

A legalização do cultivo de cânhamo poderá gerar milhares de empregos diretos e indiretos, em todas as etapas da cadeia produtiva

Publicado em 09/06/2024
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Quando recebi o convite da Sechat para participar da mesa redonda “Insumos Farmacêuticos: Como o plantio de Cânhamo no Brasil pode criar a maior indústria do mundo?” na área de Agro&Tech, durante o Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal, aceitei prontamente. Com o passar dos dias, o preparo para essa participação foi trazendo desafios, afinal, sou farmacêutica e tenho o olhar treinado para questões do desenvolvimento de produtos farmacêuticos, pensando nas questões de qualidade dos insumos, mas talvez sem me atentar para as demais etapas.

O plantio de cânhamo no Brasil tem o potencial de criar uma das maiores indústrias do mundo devido a uma combinação de fatores favoráveis, tais como solo, clima e vocação para o agronegócio. A cultura de cânhamo tem algumas vantagens importantes, que são diferenciais no cultivo extensivo, uma vez que a planta cresce rapidamente e requer, em geral, menos quantidade de água e defensivos, além do potencial fitorremediação.

A legalização do cultivo de cânhamo poderá gerar milhares de empregos diretos e indiretos, em todas as etapas da cadeia produtiva – desde o plantio até a comercialização de produtos. O mercado global de cânhamo está crescendo rapidamente, especialmente na América do Norte e na Europa, onde a demanda por produtos de cânhamo é alta. Espera-se que aumente cerca de 250% até o final de 2024, em comparação com US$ 17,7 bilhões em 2019 (1). Dada sua capacidade de produção em larga escala, o Brasil poderia se tornar um grande exportador, contribuindo significativamente para a economia nacional.

Cabe também destacar que o cânhamo é uma planta versátil, com aplicações em múltiplos setores. Destaco aqui o uso das fibras para fabricar tecidos duráveis e ecológicos, o hempcrete para ser usado na construção civil, que é sustentável e eficiente em termos energéticos, a produção de alimentos ricos em nutrientes, o emprego dos óleos das sementes em produtos cosméticos, a produção de bioplástico e papel, além, claro, da produção dos canabinoides, que tem sido cada vez mais usados na prática clínica.

Sendo professora e pesquisadora na universidade, passei a refletir também em como a indústria do cânhamo pode beneficiar a pesquisa acadêmica e ser beneficiada por ela, na mesma medida. Temos no país imenso potencial acadêmico, que atende níveis de excelência tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. E sem dúvidas o plantio do cânhamo poderá catalisar a maior indústria de insumos farmacêuticos do mundo, aproveitando o potencial acadêmico e científico do país.  

As universidades brasileiras podem estabelecer parcerias estratégicas com empresas do setor de cânhamo para realizar pesquisas conjuntas. Essas colaborações podem focar na otimização de cultivos, desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos e inovação tecnológica, por exemplo. O cânhamo pode ser pesquisado em diversas áreas como agronomia, biotecnologia, farmacologia, química, e ciências da saúde. A integração dessas disciplinas pode levar a descobertas significativas e ao desenvolvimento de novas terapias e produtos.

A implantação da indústria do cânhamo vai requerer formação de força de trabalho especializada, e as universidades podem fornecer cursos especializados, programas de pós-graduação e treinamentos técnicos focados em todos os aspectos da cadeia produtiva do cânhamo, desde o cultivo até a pesquisa farmacêutica. Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp já oferecemos disciplinas sobre cannabis medicinal na graduação e pós-graduação, por exemplo.

Em tempo, investimentos em pesquisas podem promover crescimento significativo de publicações de qualidade e elevado fator de impacto e depósito de patentes, posicionando o Brasil estrategicamente na pesquisa sobre o tema.

Uma revisão sistemática (2) que buscou mapear o conhecimento e promover a indústria sustentável do cânhamo, demonstrou que houve aceleração na pesquisa sobre o cânhamo, destacando o uso multipropósito da planta. Neste artigo os autores apontam para a necessidade de se estabelecer um modelo de produção diverso, levando em conta os variados aspectos desta planta e seus derivados.  

Para que o Brasil possa realmente se tornar um líder global na indústria do cânhamo, é essencial que haja um quadro regulatório claro e favorável. A legalização do cultivo de cânhamo industrial abriria portas para investimentos e desenvolvimentos tecnológicos, bem como a padronização de processos para garantir a qualidade e segurança dos produtos.

E assim, como o Príncipe se tornou responsável pela rosa, nós nos tornamos responsáveis pelo desenvolvimento dessa indústria verde.

 

Referências:

K.K. Brar, Y. Raheja, B.S. Chadha, S. Magdouli, S.K. Brar, Y.-H. Yang, S.K. Bhatia, A. Koubaa, A Paradigm Shift towards Production of Sustainable Bioenergy and Advanced Products from Cannabis/hemp Biomass in Canada, Biomass Conversion and Biorefinery, 2022, https://doi.org/10.1007/s13399-022-02570-6.

Kishor Aryal, Tek Maraseni, Tobias Kretzschmar, Dennis Chang, Maryam Naebe, Liz Neary, Gavin Ash. Knowledge mapping for a secure and sustainable hemp industry: A systematic literature review, Case Studies in Chemical and Environmental Engineering, 2024, https://doi.org/10.1016/j.cscee.2023.100550. 

Imagem do colunista Prof. Dra. Priscila Gava Mazzola
Prof. Dra. Priscila Gava Mazzola

Priscila Gava Mazzola*, é professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de Campinas (FCF/Unicamp). Formada pela USP/SP, com doutorado em tecnologia-bioquímica farmacêutica e habilidades aprimoradas no MIT. Dra. Priscila também é especialista em medicamentos tópicos e transdérmicos, utilizando em seus trabalhos ativos naturais (inclusive resíduos) e sintéticos. Atualmente explora os poderes terapêuticos da cannabis medicinal, desenvolvendo novos medicamentos para ampliar o arsenal terapêutico nacional.