
Tarso Araújo: União entrega plano ao STJ para regulamentar cânhamo medicinal com liderança do Ministério da Saúde
Em sua coluna, o jornalista Tarso Araújo avalia resposta da União ao STJ com plano que faz referência a política nacional liderada pelo MS
Publicado em 20/05/2025Quando o STJ deu um prazo para a regulamentação do cânhamo industrial, na decisão do IAC 16, todos os olhos e ouvidos se voltaram à Anvisa. Semana passada, a Diretoria Colegiada da Agência chegou a marcar, e desmarcar logo em seguida, a votação de uma minuta de regulamentação. E agora sabe-se o porquê: “para que possa contemplar os resultados do presente plano, especialmente no que tange às competências”.
O presente plano, no caso, é o “Plano de Ação para regulação e fiscalização da produção e acesso a derivados de Cannabis para fins exclusivamente medicinais”. Uma verdadeira política nacional de Cannabis medicinal, na qual o Ministério da Saúde discretamente brota como liderança da matéria no Executivo.
Ontem, às 20h44 da noite, a AGU protocolou junto ao processo do IAC 16 uma petição para “informar as providências já adotadas, bem como as demais medidas a adotar” e em resposta à decisão do STJ, por meio de um plano anexo.
Confira a Petição Incidental no REsp 2024250: Decisão pode impactar políticas de saúde e biotecnologia. Clique aqui:
O plano reconhece cabe ao Ministério da Saúde discutir e implementar, em articulação com outros órgãos da União, uma política nacional” e a pasta de fato assume a responsabilidade da maioria das ações estratégicas propostas.
O interessante é que, ao propor uma política nacional, o plano amplia o escopo para muito além do indicado na minuta da Anvisa que circulou na semana passada e contemplava a indústria farmacêutica como o único arranjo produtivo possível. O plano entregue ontem à Ministra Regina Helena ressalta a necessidade de regulamentação federal para outros arranjos produtivos, e propõe normatizar, além da indústria farmacêutica:
• regime associativo;
• laboratórios públicos;
• os saberes tradicionais;
• e o setor agrícola.
Na prática, o que o Ministério fez foi entregar um bom projeto à Procuradoria Geral da República para mostrar que não está parado, mas que vai demorar um pouco mais para entregar a regulamentação. Vai demorar mais para ficar melhor, ao que tudo indica. Mais precisamente, até o fim de setembro – quatro meses e dez dias a mais.
Faz sentido essa batalha para ter mais tempo. Como o plano bem explica, “A complexidade do escopo exige uma atuação coordenada e integrada do setor de saúde com os demais setores envolvidos, para que a resposta seja efetiva”. Regular todos esses arranjos produtivos de modo eficiente depende de muita articulação interministerial para dar certo de verdade.
O plano prevê oito etapas de trabalho necessárias para completar o trabalho, cada uma com prazos e responsabilidades. Inclui a realização de agendas bilaterias entre Mapa, MDIC, MJSP, MDA e Anvisa, análise jurídica da AGU e culmina com a aprovação de uma nova proposta de atualização da portaria 344 de 1998.
É ótimo que o Ministério da Saúde esteja assumindo a responsabilidade de liderar esse processo. E ainda mais positivo que traga uma proposta inclusiva, prevendo arranjos produtivos que têm potencial de democratizar o acesso à Cannabis para fins medicinais.
Mas nem tudo são flores nessa história
O primeiro ponto fraco dessa história é a conversa continuar circulando estritamente em torno da regulamentação do cânhamo para uso medicinal. OK, o plano é do Ministério da Saúde. Então vamos esperar que o da Agricultura exerça liderança semelhante para destravar a produção de fibras e grãos.
O outro lado ruim é o Ministério da Saúde – e aí sim justamente o da saúde – se render à narrativa tão século 20 da demonização da maconha, e manter as plantas e insumos de THC afastados do escopo de uso medicinal. Se o plano é para fins exclusivamente medicinais, aí mesmo é que se justifica a produção das variedades com alto THC. Seja por seu potencial medicinal, seja pela possibilidade de controlar essa destinação por meio de uma boa fiscalização.
É claro que a cartilha é feita para atender as forças reacionárias do país, que sempre podem fazer dele o rabo de foguete que os governos sempre temem quando mexem com Cannabis.
A se confirmar, o plano que vem do Ministério da Saúde é uma ótima notícia. Porque é certamente a proposta mais embasada e consequente que já se apresentou no Brasil para a elaboração de uma política pública de saúde decente para a Cannabis. Finalmente, teríamos um cenário de verdadeira segurança jurídica para o cultivo da planta para fins medicinais no país. Melhor ainda, um cenário em que essa segurança não está reservada apenas para poucos industriais.

Tarso Araujo é jornalista, colunista do portal Sechat, documentarista e consultor de negócios de cannabis e psicodélicos. É codiretor de “Ilegal – a Vida Não Espera”, documentário que trouxe o debate sobre cannabis medicinal para a imprensa brasileira, e autor dos livros “Almanaque das Drogas - um Guia Informal para o Debate Racional”, (Leya, 2012) e “Guia sobre Drogas para Jornalistas” (Catalize, 2017). Atualmente, é consultor do Instituto Ficus, ONG de advocacy sobre Cannabis e psicodélicos, e sócio da Navega, clínica de cetamina para depressão refratária, além de diretor da Catalize Lab, produtora de comunicação e impacto social.