Uso de cannabis para o tratamento da osteoartrite canina

A cannabis tem sido utilizada há muitos anos para tratar uma infinidade de condições médicas, incluindo a dor crônica

Publicado em 18/02/2024
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"Dor, rigidez articular, claudicação (mancar) e relutância em realizar atividades comuns, além da diminuição da função normal. O seu cão apresenta esses sintomas? Se sim, ele pode estar desenvolvendo osteoartrite. Estudos com cães e camundongos trazem evidências científicas para o alívio da dor da osteoartrite por canabinoides, diminuição da inflamação e sua segurança farmacocinética (O'Brien, 2018; Philpott, 2017; Vaughn, 2021).

A cannabis tem sido utilizada há muitos anos para tratar uma infinidade de condições médicas, incluindo a dor crônica. A dor da osteoartrite (OA) é um dos tipos mais comuns de dor, com um crescente corpo de evidências científicas que apoiam o potencial analgésico dos canabinoides para o tratamento antiálgico dessa doença (O'Brien, 2018).

A osteoartrite (OA) acomete as articulações e apresenta como característica a perda de cartilagem articular, formações ósseas nas margens articulares (osteófitos), inflamação e espessamento da cápsula articular, definindo-se como uma doença degenerativa e inflamatória. Essa doença é influenciada pela raça, tamanho corporal, sexo, idade e obesidade, podendo ser adquirida (ocorre em cães de raças predispostas que, com um ano de idade, já podem apresentar a doença) ou relacionada a fatores ambientais como a obesidade, acometendo animais adultos a idosos.

As articulações apresentam em suas superfícies uma camada de cartilagem articular ligada ao osso subcondral, que atua como um amortecedor, absorvendo choques e diminuindo atritos. No processo de osteoartrite, ocorre alteração na composição da cartilagem, aumentando a suscetibilidade à perda de integridade, levando inicialmente a erosões superficiais e, mais tarde, fissuras e calcificação.

Em uma tentativa de reparo deste tecido, os condrócitos (células que sintetizam a cartilagem) aumentam sua atividade. Entretanto, em uma cartilagem danificada, esse processo se torna ineficaz, e esta ação promove a degradação da matriz cartilaginosa e a liberação de citocinas pró-inflamatórias como interleucina-1β, interleucina-6, fator de necrose tumoral (TNF-alfa) e prostaglandina E.

Por ser um tecido que não apresenta inervação, a cartilagem não é o que promove dor de forma direta na OA. Entretanto, os demais tecidos como o osso subcondral, periósteo, sinóvia, ligamentos e cápsula articular apresentam grande quantidade de terminações nervosas, gerando estímulos crônicos, nociceptivos e neuropáticos da doença.

O diagnóstico da doença é baseado nos sinais clínicos, principalmente a dor, e nas imagens radiográficas. Tem como tratamento inicial o manejo não farmacológico, que se baseia em exercício físico de baixo impacto e perda de peso. Caso o paciente não responda a esses métodos conservadores, a terapia medicamentosa multimodal deve ser instituída com AINEs, opioides, gabapentina, amantadina e nutracêuticos como glucosamina, condroitina e ácidos graxos ômega-3. No entanto, alterações gastrointestinais, hepáticas e renais são alguns dos efeitos colaterais desses fármacos.

Devido à dificuldade de controle da dor na OA, muitos pacientes recorrem a alternativas como a cannabis medicinal devido ao seu potencial analgésico. Quando ativo, o sistema endocanabinoide apresenta papel imunomodulador, promovendo efeito anti-inflamatório e antinociceptivo por meio da ativação dos receptores canabinoides.

Os receptores canabinoides são divididos em CB1, que é encontrado predominantemente no sistema nervoso central e aparelho digestivo, promovendo a redução da dor, e CB2, encontrado principalmente em tecidos periféricos, atuando sobre a imunidade e a inflamação. Esses receptores podem ser ativados através da ação dos fitocanabinoides canabidiol (CBD) e do ∆ 9-tetrahydrocannabinol (THC).

Pacientes que sofrem com osteoartrite apresentam células localizadas no tecido sinovial chamadas sinoviócitos, semelhantes a fibroblastos, que expressam receptores CB1 e CB2 na sua superfície, assim como em terminais nervosos. Essas células, quando ativadas, deprimem o estímulo de dor em situações de inflamação crônica, confirmando que os receptores canabinoides modulam a inflamação através de várias vias.

A partir dessa necessidade, surgiu a pesquisa do meu mestrado, que realizo como Médica Veterinária responsável, juntamente com o laboratório de cannabis e medicina psicodélica da UNILA, com o objetivo de avaliar o efeito terapêutico global e a segurança a longo prazo do uso de um extrato rico em CBD em osteoartrite canina. Os resultados já são positivos, e esperamos logo publicá-los em periódico para demonstrar todos os ganhos que este tratamento tem proporcionado aos nossos pacientes. "Antes de iniciar o tratamento com cannabis, nosso cão tinha uma condição clínica bem complicada. 

Diversas vezes, quando o movimentávamos, ele sempre se queixava de dor. Ele era bem mais dependente para comer e beber água, tínhamos que dar na boca, pois não se deslocava até os potinhos. Comportamentos bem diferentes de hoje em dia, agora costuma se lamber, se desloca em maiores distâncias, observamos três vezes ele coçando a orelha devagar (algo nunca visto antes), bebe água sozinho, quando chamamos ele olha para cima (fato que não ocorria por sentir dor). Enfim, estamos muito satisfeitos com os resultados, sem dúvida a qualidade de vida dele mudou para melhor, sabemos também que a clínica dele é irreversível, no entanto, queremos ao máximo que ele aproveite o dia-a-dia sem sofrer." Relato de Daniel Costa, tutor de um dos pacientes do estudo.

Imagem do colunista Neide Griebeler
Neide Griebeler

Médica Veterinária | Anestesiologia e Medicina canabinoide