Decisão na Argentina deixa de considerar a Cannabis um narcótico

A Justiça Federal entendeu que não poderia haver contradição entre a lei nº 23.737 sobre entorpecentes, que criminaliza usuários, e a nº 27.350, sobre pesquisas para uso medicinal e científico da planta de Cannabis e seus derivados

Publicada em 20/08/2020

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Três anos depois do processo judicial da "Clínica Cannabis", de Córdoba, famosa pelas prisões de seu diretor e fundador, o médico Carlos Laje Vallejo, e seus colaboradores, a Justiça Federal anulou as acusações dos oito Requeridos: Carlos Fernando Laje Vallejo, Héctor Walter Mariño, Paola Jordana Toranzo Gil, Fernanda Daniela Moyano, María Paula Culiaciati, Toribio Aragón, Fernando Moroni e Jorge Augusto Asís.

Tudo começou em agosto de 2017 após uma megaoperação da Força Policial Antidrogas (FPA) em que foram feitas batidas simultâneas em propriedades e diferentes locais das chamadas 'Clínicas de Cannabis' na cidade de Córdoba e também em Villa Carlos Paz, onde Laje e outras pessoas que trabalhavam com óleos e cremes derivados de Cannabis, foram presos.

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Inicialmente, o caso estava nas mãos da Justiça provincial e a promotora Jorgelina Gómez os acusou de crime de comercialização de entorpecentes e formação de quadrilha. É preciso lembrar que eles passaram vários meses detidos e em prisões preventivas.

Mas em 30 de julho, em nova sentença para Córdoba, a Justiça Federal entendeu que não poderia haver contradição entre a lei nº 23.737 sobre entorpecentes, que criminaliza usuários, e a nº 27.350, sobre pesquisas para uso medicinal e científico da planta de Cannabis e seus derivados. Pelo princípio da não contradição, todos foram absolvidos, embora o Ministério Público tenha recorrido em três processos.

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Nadia Podsiadlo, advogada de defesa de várias das acusadas, falou com El Periódico e explicou a importância desta decisão para que todos os usuários e promotores de derivados de Cannabis para uso medicinal deixem de ser perseguidos por Justiça Provincial. Algo que, em breve, também pode mudar graças ao anúncio do Ministério da Saúde da Nação de que vai regulamentar a lei nº 27.350 da maconha medicinal para permitir o autocultivo e a venda, algo que por enquanto ainda está excluído da lei.

O advogado destacou que em todos os momentos a questão se refere ao uso medicinal da maconha e que não é sobre a comercialização de maconha.

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- Num caso que teve grande repercussão policial e prisões preventivas, por que a Justiça Federal já absolveu todos os acusados?

A Lei nª 27350, aprovada em março de 2017, tem como objetivo principal a pesquisa e o estudo de plantas de Cannabis e seus derivados. Por meio de diversos estudos e relatórios da OMS, da Anmat e de estudos com diferentes usuários de Cannabis, foi possível determinar o efeito positivo sobre certas patologias. Então, o que a Justiça considerou é que não poderia haver dois direitos jurídicos antagônicos. Porque, por um lado, a lei sobre entorpecentes diz que a saúde pública está protegida e, por outro, a lei nº 27350 sobre pesquisa fala sobre os efeitos positivos. Por isso, a Justiça decidiu pelo princípio da não contradição. Este princípio deve ser aplicado a todas as pessoas detidas ou processadas nos tribunais provinciais por Cannabis medicinal.

- Como a decisão beneficia os usuários de Cannabis medicinal?

A novidade da decisão é que não é considerado um entorpecente nocivo à saúde. Ainda em nenhum lugar do país ela pode ser vendida. Os usuários não são penalizados, mas não é possível comprar porque a lei sobre drogas ainda prevalece. Mas a decisão levou em conta que há poucas semanas o Ministério da Saúde convocou diferentes associações de produtores e cultivadores, usuários, legisladores para que óleos, pomadas e cremes possam ser vendidos a partir da planta. Agora, o tema já não é demonizado como era antes da promulgação da lei nº 27350 e que permite que quem o consome não seja criminalizado. No entanto, a conduta ainda continua sendo reprimida por lei até que seja regulamentado esse projeto de autoria do Ministério.

- Seria mais um passo em direção a uma abordagem sanitária ao invés de criminalizar o usuário?

É que sempre deveria ter sido abordado pela questão sanitária, não pela questão punitiva. Isso porque (a Cannabis) não afeta a saúde, muito pelo contrário. Mesmo em países vizinhos que legalizaram o uso, efeitos positivos foram demonstrados em diferentes patologias. Este caso foi inicialmente na Justiça provincial de forma totalmente criminalizada, com prisões preventivas. A mudança de abordagem serve para parar considerar essa substância como um narcótico.

- No entanto, a autocultura ou a compra e venda de óleo para uso medicinal continua proibida.

Sim, é uma conduta que continua proibida, pelo menos até que as normas do Ministério da Saúde entrem em vigor. Hoje é totalmente burocrático e complicado acessar o óleo por meio da Anmat. Só é acessível com uma série de requisitos e nem todos podem obtê-lo. O que se busca com a regulamentação é que as pessoas possam se cadastrar ter suas plantas e produzir seus cremes ou óleos. Hoje, infelizmente, não é possível ir em um lugar e comprar óleo de Cannabis.

Fonte: informações do site El Periódico