Especial Dia das Mães: Margarete Brito

Publicada em 12/07/2019

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foto: Marcos, marido de Margarete, e ela na cobertura de casa, onde cultivam a planta para fins terapêuticos

Margarete Santos Brito é mãe da Sofia. Advogada. Milita a favor da legalização da cannabis medicinal. Fundou uma associação sobre o tema. Também é mãe de Bia e é casada com o Marcos – pai das filhas. Ela já esteve nas telonas do cinema. Foi personagem de um documentário que botou o tema da cannabis medicinal no centro do debate no Brasil. 46 anos. 

Moradora do bairro da Urca – um dos lugares mais bonitos do Brasil, Margarete recebeu o Sechat em sua casa para falar da luta pelo acesso ao remédio que mudou a qualidade de vida de sua filha Sofia, hoje com 10 anos. Antes de ter filho, só sabia do uso recreativo da maconha como cigarro. Só que na realidade nova em que estava, mãe de uma criança com síndrome rara, ajudou a advogada a enxergar a planta como uma solução: "Descobri que maconha poderia ser o remédio, ao contrário de muitas mães, eu achei bom. Pensei que seria melhor do que dar a ela os outros remédios todos que dava na época. Por que não?”, conta com alegria a lembrança da memória.  

Quando Sofia foi diagnosticada com “Síndrome CDKL5”, Margarete Brito fez o que toda mãe faria: buscou os melhores tratamentos à disposição e, claro, medicou a criança conforme recomendação de neurologistas. Mas nada funcionou tão bem para o processo terapêutico de Sofia quanto o óleo canabidiol feito a partir da planta cannabis sativa. 

Foi a partir desse momento que ela decidiu transformar a luta pela legalização da maconha medicinal em sua profissão. "Ver a transformação do ambiente, das mães, das famílias é o meu pagamento", revela uma Margarete emocionada. "Quando você ajuda uma pessoa e tem o retorno, que ela conseguiu o remédio, diminuiu as crises convulsivas, voltou a comer ou ir à escola, não tem dinheiro que pague. Acho que todo mundo gosta de trabalhar com coisas que te dão prazer também. E isso me dá muito prazer", explica. 

Margarete também revela seu lado pragmático e consegue avaliar com calma e realismo o momento vivido por essa luta hoje. “Se houve avanço no âmbito do judiciário nos últimos anos essas conquistas precisam ser celebradas”, conta a mãe. Ela sustenta que as barreiras que persistem não podem ser ignoradas: “É duro lidar com alto custo alto e com a burocracia para se ter acesso ao medicamento”, resume. Dificuldades vividas principalmente pelas famílias de baixa renda. “(A maconha) ainda é uma opção terapêutica elitista. Há raríssimos médicos ou quase nenhum na rede pública com quem você pode conversar sobre o assunto”. 

Depois de criar precedentes com a autorização judicial para plantio em casa, agora Margarete age no processo de educar famílias sobre o uso da maconha. No comando da Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal), ela ajuda famílias a conseguir encontrar soluções para tratamentos com cannabis. A associação que ela fundou funciona no mesmo ambiente da casa onde vive sua família. "A grande parte das mães que me procurava era mais pobre, com pouco acesso à informação, que não têm condições de conseguir consulta com um médico que prescreva ou de conseguir cumprir a burocracia para ter o remédio importado. Foi aí que eu comecei a me envolver com essas famílias.", afirma a mãe de Sofia. E foi desse jeito que a Apepi cresceu e hoje atende e acolhe pacientes de todo o estado do Rio de Janeiro. A Apepi é uma referência no Brasil para orientação de caminhos de acesso ao tratamento com maconha medicinal. 

Atualmente existem 35 autorizações judiciais para o cultivo caseiro com fins terapêuticos; 11 destes salvos condutos estão no Rio, o estado campeão em número de habeas corpus concedidos para essa finalidade. “Os juízes estão reconhecendo que é possível plantar, é possível fazer o próprio remédio", conta a advogada.

Durante a conversa com o Sechat, Margarete fez ainda uma reflexão importante sobre o tema. Ela conta que entende o preconceito contra o vegetal, mesmo com o fato da planta estar sendo estudada mundo afora – tendo suas propriedades químicas e medicinais afirmadas. “É resultado de décadas de demonização da guerra contra as drogas. Um exemplo, tem muita mãe que sofre com isso e mesmo vendo a melhora de seu filho ainda traz um conflito. Elas não falam a palavra maconha, falam só canabidiol. O estigma é poderoso."

A Apepi ensina famílias a plantar a cannabis, faz a ponte entre médicos e pacientes e faz o trabalho de articulação com áreas de todas as esferas do poder na luta política da regulamentação da maconha no Brasil. A Associação tem uma parceria relevante com o principal centro de pesquisa pública de farmacologia do Brasil, a centenária Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). “Tudo que a Fiocruz queria era ter autorização para o cultivo com finalidade de pesquisa. Até isso é um problema no Brasil. Estamos muito atrasados, se pensarmos que no mundo existem hoje quase 40 países com a maconha medicinal já liberada”, lamenta a mãe da Urca que de 15 em 15 minutos atende aos chamados da cuidadora de Sofia. 

Ao deixar a casa dessa mãe guerreira, fundadora da Apepi, a reportagem presenciou o carinho de Margarete com a criança e da cuidadora Maiara com a criança. Sofia sempre vai para a praia com Maiara e parece ter uma vida feliz. Ficou clara a percepção de um ambiente familiar de compreensão e muito amor. 

Na conversa final chamou a atenção a franqueza e o equilíbrio dessa mãe sobre o tema. Ela rechaça a ideia de que a maconha só pode ser exaltada quando opera um "milagre" na vida de alguma criança. No caso de Sofia, a maconha medicinal ajuda no controle parcial das convulsões: "É um conjunto terapêutico, e a cannabis faz parte. É uma substância com potencial terapêutico que tem que ser respeitada, mas ela é uma substância como várias outras: vai funcionar incrivelmente para umas, parcialmente para outras e para outras nem vai funcionar. Só por isso a gente deve lutar: não precisa ser milagroso para continuar lutando por isso. A pessoa que quer fazer essa opção terapêutica, ela tem esse direito independentemente de ser milagroso. Ela não precisa ser milagrosa para eu defender ela. Para a minha filha não foi milagrosa. É preciso colocar o pé no chão”.