A luta do Padre Ticão pelo acesso à cannabis medicinal na zona leste de São Paulo

“Não é justo que só os pobres, os trabalhadores, que têm esses problemas de dores, paguem o preço da não legalização" defende o religioso

Publicada em 23/08/2019

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Por Marcus Bruno

Antônio Luís Marchioni, o já conhecido Padre Ticão, tem um histórico de três décadas em defesa dos Direitos Humanos e das comunidades paulistanas. Ele batalhou, por exemplo, pela construção de quase 40 mil moradias populares na zona leste da cidade. O religioso também trouxe para sua paróquia, São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, temas polêmicos, como o direito ao aborto - que lhe tornou alvo de católicos conservadores - e o acesso ao tratamento com cannabis medicinal. Sobre este último, o padre toca inclusive um curso, todas as noites de terça-feira, que reúne centenas de pessoas de diferentes credos em busca de informação.

"Quem tem muito dinheiro está indo fazer tratamento em Colorado, na Califórnia, Portugal. Não é justo que os pobres, os trabalhadores que têm esses problemas de dores, paguem o preço da não legalização e de não ter o acesso", defende o religioso: "tanto que nós estamos conversando com todos os coronéis comandantes da zona leste que eles respeitem quando tem um pé de maconha na casa de uma família".

O curso, que teve sua primeira turma no ano passado, conta com o apoio da Universidade Federal de São Paulo. Já deram aulas neste espaçoso salão paroquial nomes como o psiquiatra Remo Rotella e o advogado Emílio Figueiredo, da Reforma Drogas.

“Aqui nós temos casos de pessoas com câncer no cérebro, com Parkinson, o Alzheimer talvez seja o maior grupo, pessoas com epilepsia, com convulsões", conta o Padre Ticão. Nas aulas, o palco também recebe os fiéis, que dão seu testemunho sobre o uso medicinal da planta.

Um dos relatos mais emocionados, na aula de terça passada (20), foi o da vendedora Andreia Rodrigues, de Mogi das Cruzes, a 40 km da paróquia. Ela tem duas filhas gêmeas de 6 anos, a Isadora, com epilepsia, e a Isabella, com paralisia cerebral. E conta que, durante esses últimos 6 anos, não conseguia dormir. Procurou o SUS, o Estado, médicos particulares, e nunca conseguiu um tratamento que resolvesse. Pelo contrário, a Isadora tomava oito medicamentos diferentes, e nenhum controlava as crises. Foi através do curso do Padre Ticão que a Andreia conheceu a palavra 'canabidiol' e que ele poderia ser um tratamento para suas meninas.

“Hoje eu quero espalhar para os quatro cantos do mundo, porque modificou a vida das minhas duas filhas especiais. A minha filha nunca mais teve epilepsia, o comportamental dela está indo muito bem. A minha outra filha de paralisia cerebral está começando a dar caminhadas. E ela foi desenganada, disseram que seria um vegetal", relatou, emocionada, para a plateia.

Isabella no colo do marido de Andreia, Djovaldo, Isadora com a mãe e a primogênita Ester
"A ação humana demonizou a planta", diz Padre Ticão

“Ela (a maconha) sempre foi considerada uma planta altamente medicinal. Agora, na história, nós tivemos a demonização, os preconceitos, que a planta não tem nenhuma culpa. É a ação humana que demonizou. Mas eu assisto hoje, no Brasil, um movimento sem volta", espera o padre.

O religioso também defende o processo de regulação que está sendo tocado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Já com relação às vozes contrárias à cannabis medicinal, o padre diz que falta sensibilidade: 

“A Anvisa tem se colocado numa posição real de ver a dor das pessoas. O Dib, que está lá (diretor-presidente), é uma pessoa de sensibilidade, não o conheço pessoalmente, mas ele tem um esforço. Mas, por outro lado, tem o Osmar Terra, que é um ministro que parece que nasceu de chocadeira elétrica, porque é de uma insensibilidade...".

E para quem tem preconceito religioso com a planta, o Padre Ticão lembra: "a primeira Bíblia foi feita com papel do cânhamo, da maconha".