Os povos originários do Brasil não descobriram a cannabis

Uma história de interculturalidade e repressão

Publicada em 09/08/2024

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Os povos indígenas do Brasil são os habitantes originários do território brasileiro e estavam presentes aqui antes da chegada dos europeus no final do século XV | Imagem: Vecteezy

Os povos originários do Brasil têm uma relação complexa e histórica com a cannabis. Segundo Henrique Carneiro, professor de história moderna da USP e especialista em cannabis, é crucial entender que a planta não é originária das Américas. "Todos os usos indígenas da cannabis no Brasil se deram por importação, seja da Europa ou, possivelmente, da África," explica Carneiro. Esse fato desmonta a noção de que a cannabis era uma planta endêmica nas culturas indígenas pré-colombianas, revelando uma introdução mais recente no contexto histórico.

“A cannabis chegou às Américas com as viagens de exploração e colonização europeias, sendo incorporada aos hábitos de diferentes povos ao longo dos séculos”, explica Carneiro, que ressalta que os povos indígenas, conhecidos por sua adaptação e resiliência, rapidamente encontraram usos para a planta, seja para fins medicinais, industriais ou recreativos.

Durante a década de 70, no auge da repressão da ditadura militar brasileira, essa relação com a planta se tornou um ponto de conflito. Emílio Garrastazu Médici, então presidente do Brasil, utilizou a planta como um símbolo de desobediência e marginalidade, acusando os povos indígenas de serem "maconheiros". Essa acusação não só estigmatizou esses povos, como também os expôs a uma maior perseguição e violência, gerando revolta entre as comunidades indígenas e seus apoiadores.

 

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31 de março: os bastidores do golpe de 1964 | Imagem: Wikimédia Commons
 

 

Henrique Carneiro ressalta que essa perseguição foi um reflexo das políticas repressivas da ditadura, que visavam controlar e punir qualquer comportamento que fosse percebido como subversivo. A cannabis, com sua associação à contracultura e à resistência, tornou-se um alvo fácil. "A relação dos povos indígenas com a cannabis é uma prova da capacidade de adaptação e resistência cultural, mesmo sob circunstâncias adversas," afirma Carneiro.

Comemorar a história e a relação dos povos originários do Brasil com a cannabis, principalmente neste dia 9 de agosto, quando é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas, é fundamental para reconhecer e valorizar suas contribuições culturais e sua resistência frente às adversidades. A planta, que chegou às Américas através de rotas de comércio e colonização, tornou-se parte integrante da história desses povos, refletindo um legado de resiliência e adaptação.

A história da maconha no Brasil é, portanto, uma história de adaptação e resistência. Além disso, é um lembrete do impacto das políticas coloniais e ditatoriais sobre os povos originários, e da importância de reconhecer e celebrar a resiliência dessas culturas frente às adversidades históricas.