Mãe denuncia retrocesso após Estado de MG suspender medicamento de criança com epilepsia severa

Após seis anos de estabilidade com uso de cannabis medicinal, Hugo, de 8 anos, volta a convulsionar. “A sentença foi cruel”, desabafa a mãe, Élina, enquanto luta para preservar a vida do filho

Publicada em 11/06/2025

Mãe denuncia retrocesso após Estado de MG suspender medicamento de criança com epilepsia severa

Após seis anos de alívio com cannabis medicinal, Estado suspende tratamento de criança com epilepsia severa | Foto: Arquivo Pessoal

Quando Hugo nasceu, ninguém imaginava o que estava por vir. A descoberta da rara malformação neurológica veio cedo, mas os caminhos até um tratamento efetivo foram longos, dolorosos e cheios de incertezas. Foram muitas crises convulsivas, internações e a perda progressiva de movimentos, até que, aos dois anos, Hugo finalmente encontrou algum alívio no uso da cannabis medicinal. Desde então, ele e sua família respiraram um pouco mais aliviados. Até agora.


Há poucos meses, o Estado de Minas Gerais interrompeu o fornecimento judicial do medicamento à base de cannabis que Hugo vinha usando desde 2019. E com isso, tudo o que havia sido conquistado em seis anos de luta e pequenas vitórias parece estar escorrendo pelos dedos da família.


“A justiça alegou prejuízo orçamentário para o Estado e o município. Mas para mim, isso não é número, é a vida do meu filho. É ele voltando a convulsionar, a endurecer, a perder o ar. E eu ali, impotente, sem poder fazer nada”, conta Élina Monteiro, mãe de Hugo, emocionada.


Um diagnóstico que mudou tudo


Hugo tem 8 anos e nasceu com uma malformação neurológica chamada polimicrogiria, além de agenesia do corpo caloso, encefalopatia e calcificações no sistema nervoso central. Os primeiros sinais surgiram ainda nos primeiros meses de vida, quando ele teve sua primeira convulsão. A partir dali, a rotina da família mudou completamente.


Durante os primeiros dois anos de vida, Élina e o marido peregrinaram por diversos centros médicos em busca de alguma forma de controlar as dezenas de crises diárias. Foi só após conhecer o trabalho do neurologista Dr. Américo Sakamoto, em Ribeirão Preto, que veio a indicação do uso do canabidiol (CBD), um tratamento até então envolto em tabus, mas que daria ao pequeno Hugo a chance de viver com mais dignidade.


Cannabis, a esperança em gotas


A primeira prescrição foi do Puridiol, importado com liberação da Anvisa mediante ação judicial. Em pouco tempo, os resultados começaram a aparecer: Hugo saiu de 89 crises por dia para apenas uma ou duas, menos intensas e mais fáceis de manejar. “A gente sabia que não era uma cura milagrosa, mas era um respiro. Hugo começou a interagir, a responder aos estímulos, ganhou firmeza no pescoço, passou a levar a mãozinha à boca. Coisas que antes eram impossíveis”, relata Élina.


O tratamento com cannabis trouxe ganhos físicos e emocionais. Com menos crises, Hugo pôde aproveitar melhor as terapias, se alimentar com mais segurança e ter momentos de paz em casa. “Ele cercava a gente com o olhar. Tinha dias que ficava sem nenhuma crise. Era como se a gente tivesse, finalmente, encontrado um caminho”, ela diz.


A interrupção e o retrocesso

 

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Hugo voltou a ter crises convulsivas após o bloqueio do medicamento pelo SUS, família nao consegue arcar com o valor do medicamente | Foto: Arquivo Pessoal


Mas esse caminho foi interrompido. Após seis anos de fornecimento regular pelo SUS, via decisão judicial, um novo julgamento revogou a liminar que garantia o acesso ao medicamento. A justificativa: impacto no orçamento público e ausência de aprovação do medicamento pela Anvisa.


“A decisão foi um choque. A sentença dizia que o fornecimento não podia continuar para não causar prejuízo ao orçamento do Estado. Mas quem vai arcar com o prejuízo da vida do Hugo? Quem vai pagar pelas crises que voltaram, pela dor dele, pela nossa impotência? Isso não é só desumano, é capacitismo institucionalizado”, desabafa a mãe.


Desde a interrupção, Hugo voltou a convulsionar com frequência. As crises são fortes, assustadoras. “Outro dia, ele teve uma crise com cianose, ficou todo duro. Eu gritava desesperada, sem saber o que fazer. Tive que correr para aspirar, colocar oxigênio, e proteger a língua com uma cânula. É como voltar ao pesadelo que a gente já tinha vencido”, revolta-se a mãe.


Uma luta de uma mãe


 

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Élina não mede esforços para ver o filho com qualidade de vida | Foto: Arquivo Pessoal

Moradora de Varginha (MG), Élina sente que está sozinha nessa batalha. “A rede de apoio aqui é frágil. A sociedade ainda vê a cannabis com preconceito, e poucos políticos se importam. A mídia também parece fechar os olhos. É uma sensação de abandono”, diz.


Apesar disso, ela segue lutando. Já recorreu da decisão, mobilizou advogados, deu entrevistas à imprensa local e usa as redes sociais para pedir ajuda. Mas, como ela mesma diz, “isso não é só por mim. É por todas as mães que sabem o que a cannabis representa na vida dos seus filhos”.

Aqui ela gravou um vídeo explicando a dificuldade que Hugo tem sentido com a ausência do canabidiol.


“Cannabidiol é vida”


A frase é curta, mas carrega toda a vivência dessa mãe. Élina tem uma mensagem clara para as autoridades e para a sociedade. “A cannabis trata. A cannabis cura. E o que eu peço é que não fechem os olhos para isso. Não se trata de ideologia, mas de humanidade. O Hugo é uma criança. Ele precisa da medicação. O que está em jogo aqui é a vida dele”, finaliza a mãe.


Enquanto aguarda uma nova decisão judicial, Élina continua sendo a voz incansável de um filho que depende do medicamento para ter o que toda criança merece: a chance de viver bem. 


A equipe do Portal Sechat entrou em contato com a 2ª Vara Federal da Justiça Federal – Seção Judiciária de Minas Gerais, responsável pela decisão que suspendeu o fornecimento do canabidiol ao paciente Hugo. Até o fechamento desta matéria, não obtivemos retorno.