Homem com lombalgia e ansiedade obtém salvo-conduto para plantar cannabis

Decisões como essa mostram o avanço do reconhecimento da cannabis medicinal no Brasil, destacando a luta por um cuidado mais humano, acessível e personalizado frente à burocracia

Publicada em 28/05/2025

 Homem com lombalgia e ansiedade obtém salvo-conduto para plantar cannabis

Decisão garante a paciente o cultivo de cannabis para viver com menos dor | CanvaPro

Já noticiamos mil vezes que a dor crônica não espera. Sabemos que ela é silenciosa para quem vê, mas não para quem sente. Um paciente do interior de São Paulo encontrou no óleo artesanal de cannabis um alívio real e sustentável, o que, para muitos, ainda soa como exceção, agora se firma como um direito. 


Em decisão liminar proferida pelo desembargador José Lunardelli, da 11ª turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), ficou autorizado o cultivo doméstico da planta cannabis sativa exclusivamente para fins medicinais.


A medida garante ao paciente o chamado salvo-conduto, o que impede que autoridades policiais tomem qualquer medida que restrinja sua liberdade ou apreendam sementes, mudas, plantas ou extratos, desde que estejam sendo usados para a produção do seu próprio óleo medicinal.


O homem foi diagnosticado com lombalgia, que provoca dores agudas recorrentes, e com transtorno de ansiedade generalizada, condição que impacta diretamente sua qualidade de vida. Segundo os autos, ele faz uso contínuo de óleo artesanal de cannabis, cujos efeitos terapêuticos, como a redução da dor e o controle das crises de ansiedade, vêm sendo comprovadamente benéficos para sua saúde.


A luta, no entanto, foi longa. Inicialmente, o pedido de habeas corpus foi negado pela 9ª Vara Federal de Campinas/SP. A juíza Valdirene Ribeiro de Souza Falcão argumentou que o plantio doméstico ainda não está previsto em lei e que a atividade poderia representar risco à segurança pública. Além disso, segundo a magistrada, a decisão do STF que trata do porte para uso pessoal não abrange o cultivo da planta.


Mas a dor não espera. E a Justiça, aos poucos, começa a ouvir.


No recurso apresentado, o paciente anexou documentação médica, laudos técnicos e a autorização da Anvisa para a importação do medicamento, demonstrando não apenas a necessidade terapêutica, mas também a inviabilidade financeira de arcar com o tratamento por meio de produtos industrializados.


Foi esse conjunto de provas que sensibilizou o desembargador Lunardelli. Para ele, a falta de regulamentação específica sobre o cultivo para fins medicinais não pode sobrepor-se ao direito fundamental à saúde. O magistrado destacou que a conduta do paciente é pautada exclusivamente por fins terapêuticos e não há qualquer indício de uso recreativo ou comercialização da substância.


Com isso, o cultivo de até 34 plantas por semestre foi autorizado, bem como a importação de até 81 sementes por ano, de acordo com a prescrição médica. O salvo-conduto também abrange o transporte das flores e extratos para fins laboratoriais, necessários à parametrização dos canabinoides, etapa essa, essencial para a personalização do tratamento.


O desembargador, no entanto, fez uma ressalva: a atividade poderá ser fiscalizada pelas autoridades competentes, exclusivamente para garantir que o cultivo se mantenha dentro dos limites terapêuticos estabelecidos. A comercialização continua proibida.


Essa decisão, como tantas outras que vêm sendo construídas em diferentes regiões do Brasil, reforça um movimento crescente de reconhecimento da cannabis como ferramenta legítima de cuidado e bem-estar. Mais do que um marco jurídico, trata-se de uma vitória silenciosa, mas profunda, da medicina personalizada sobre a burocracia que insiste em ignorar o sofrimento humano.


Enquanto o país ainda debate o que é permitido, pacientes como este seguem ensinando, com coragem, que o cuidado começa no reconhecimento da dor e na liberdade de tratá-la com dignidade.