Como a Eurofarma pode impactar o mercado da cannabis no Brasil 

“Discretamente as maiores farmacêuticas do País reconhecem o potencial da cannabis medicinal", afirma empresário

Publicada em 22/11/2023

capa

A recente incursão da gigante farmacêutica Eurofarma no promissor mercado da cannabis medicinal no Brasil tem agitado as águas da indústria e atraído olhares atentos de diversos especialistas.  

O potencial terapêutico da cannabis, aliado ao crescente interesse global, culminou na decisão estratégica da Eurofarma em explorar esse campo, marcando um marco significativo no cenário brasileiro. Vozes distintas como a do fundador e CEO da Verdemed, empresa de produtos farmacêuticos derivados de cannabis, a do jornalista e especialista no setor, Ricardo Amorim e a do economista e empresário do ecossistema nacional da planta, Joaquim Castro, convergem e divergem em suas análises sobre o impacto dessa entrada pioneira. 

Parceria entre gigantes 

O CEO da Verdemed, José Bacellar, explica como se deu a parceria entra a Eurofarma e Verdemed, que cominou na entrada da farmacêutica no setor canábico nacional. 

“As conversações com a Eurofarma iniciaram em 2019 e ganharam impulso no final de 2021 e início de 2022, coincidindo com o aumento das vendas em farmácias e a crescente visibilidade do mercado de derivados de cannabis. Projetamos uma demanda superior a R$ 250 milhões para os derivados de cannabis em 2023, considerando as vendas em farmácias e as aquisições governamentais”, destacou Bacellar. 

Com base nestes dados, as empresas iniciaram discussões sobre uma parceria, formalizando o contrato em 2022 para os produtos isolados: CBD 20mg/ml, 50mg/ml, 100mg/ml e 200 mg/ml em frascos de 30 ml. As aprovações da Anvisa foram obtidas em julho de 2023 para a Verdemed e novembro para a Eurofarma

“A partir de 2024, produziremos os mesmos produtos isolados para a Eurofarma que já estão disponíveis no Canadá pela Verdemed. Essa parceria valida a qualidade de nossos produtos, demonstrando o compromisso da empresa com médicos e pacientes brasileiros”, conclui o CEO.  

A cannabis como oportunidade de crescimento 

Ricardo Amorim, conhecido por seu trabalho como jornalista no setor canábico, enxerga a entrada da Eurofarma na cannabis medicinal como uma jogada estratégica ousada. Para ele, a diversificação dos produtos farmacêuticos, incorporando a cannabis, representa uma resposta sensível às demandas do mercado e uma oportunidade de crescimento para a Eurofarma.  

“A entrada de um grande player farmacêutico no mercado da cannabis nos dá duas informações: o segmento amadureceu e a concorrência vai aumentar. Resta saber como os médicos, que são os únicos geradores de demanda desses produtos, vão reagir à novidade”, ressalta o jornalista.  

Amorim, que também é um representante do Comitê do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal (CBCM), explicou em entrevista ao portal Sechat, que provavelmente a Eurofarma vai usar seu poder de persuasão e sua força de vendas para conquistar mercado, dificultando a vida das empresas que já atuam no segmento.  

“Caso a briga se reflita nos preços, os pacientes saem ganhando, mas quem batalhou para criar esse mercado pode ficar pelo caminho. Ou ser comprado em um movimento de consolidação que eu considero inevitável, principalmente se a regulamentação seguir avançando no país”, finaliza. 

Desafios do Ecossistema Nacional 

Por outro lado, Joaquim Castro, economista e fundador da Clínica Gravital que atua no ecossistema da cannabis no Brasil, destaca que a entrada da Eurofarma traz consigo desafios e oportunidades únicas, contudo, afirma que é preciso ter responsabilidade mercadológica. Para ele, a integração da cannabis medicinal no mercado farmacêutico brasileiro exige uma abordagem cautelosa devido às complexidades regulatórias e ao estigma ainda presente em relação à planta. 

“Discretamente as maiores farmacêuticas do País reconhecem o potencial da cannabis medicinal como produtora de moléculas com ampla e segura utilização pela classe médica. Ninguém que está na indústria há anos viu a Eurofarma de forma ostensiva em eventos do setor”, analisa Castro, que destaca que ninguém viu executivos da empresa defenderem aberta e consistentemente a cannabis como alternativa terapêutica.  

“E assim, num movimento preciso, eles debutam no setor. Sempre que alguém do tamanho da Eurofarma entra num segmento isso carrega um peso relevante”.  

O empresário chama atenção para o portifólio da empresa, que até o momento teve somente produtos com canabidiol (CBD) isolado permitidos pela Anvisa.  

"A cannabis possui outros componentes da planta além do CBD. Médicos experientes praticamente não usam mais o composto isolado. A questão é: as prefeituras e entidades que fazem compras maiores, buscam qual tipo de composição? Quem influencia esses editais e direciona os requisitos técnicos para uma formulação A ou B?”

Ainda segundo o empresário “faz parte do jogo. Se vierem para somar e mostrar a segurança dos produtos à base de cannabis serão muito bem-vindos. Porém, se vierem meramente pra participar de licitações públicas e não ajudar de forma concreta a indústria a romper os preconceitos e barreiras que abundam o setor, será uma presença inerte. O tempo mostrará.” 

O especialista ressalta ainda que existem dois mercados paralelos de cannabis que muitas das vezes se interligam. Um é o mercado de consultórios médicos, com vendas pulverizadas e profissionais com conhecimento do assunto, mas pouco atrativo pra grande indústria. E outro, um mercado em ampla expansão, que é o das licitações e judicializações.  

“Não vejo a Eurofarma com hierarquia de uma de marca de cannabis para ter força nos consultórios, porém será um grande concorrente de empresas que focam nas compras públicas. E isso pode ser muito bom pros cofres públicos”, conclui.