Serviço público e a judicialização da cannabis medicinal

Em sua coluna de estreia, o ex-diretor geral da Anvisa, William Dib, destaca como as ações judiciais podem levar ao descrédito do tratamento com cannabis

Publicada em 15/10/2023

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Por William Dib

A grande batalha de todos nós é melhorar e ampliar o acesso dos doentes ao tratamento com cannabis medicinal com garantia de qualidade do produto indicado. E dentro desse cenário estamos enfrentando mais um obstáculo: a judicialização das prescrições médicas com canabinoides. Hoje em dia todos os Municípios, Estados e até a União são acionados rotineiramente pelo judiciário para fornecer cannabis medicinal gratuitamente, com produtos a serem importados ou já disponíveis no mercado nacional.  

O grande problema é que em muitos casos são indicados pelos médicos e autorizados pelos juízes produtos não adequados para o tratamento da doença em questão, produtos como suplemento alimentar e cosméticos contendo derivados de cannabis, que não possuem a mesma eficácia comprovada medicamentos com CBD e THC, por exemplo. E mesmo assim o poder público é obrigado a comprar, muitas vezes importar a um custo elevado, um produto que não trará ao doente o resultado esperado, o que pode levar ao descrédito do uso medicinal da canabis. 

Devemos incentivar Estados, Municípios e as Faculdades de Medicina a criarem serviços especializados para atendimento de pacientes que podem ser tratados com cannabis medicinal, focando sempre na capacitação e treinamento dos profissionais de saúde e promover um amplo diálogo com o poder judiciário em todos os casos de judicialização da aquisição de produtos e medicamentos com cannabis medicinal, sempre com o foco na garantia da qualidade do produto e adequação a cada paciente. 

Além disso, o ideal seria que todas as esferas públicas, cidades, estados e união, criassem um programa específico e comprassem cannabis medicinal com estoque regulatório para atendimento da demanda de todos os pacientes. O que levaria a redução das ações judiciais, aumentando também o acesso ao medicamento, a agilidade no fornecimento e facilidade da manutenção do tratamento. Alguns municípios e estados, como São Paulo e o Distrito Federal, já estão nesse caminho. 

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Dr. William Dib é médico, político e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Formado pela Faculdade de Medicina da UNESP de Botucatu e pós-graduado em Saúde Pública e Administração Hospitalar pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), onde se especializou em cardiologia, o médico, nascido na cidade de Garça, interior de São Paulo, atuou como político ocupando o cargo de Secretário de Saúde Pública da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, onde também foi prefeito de 2003 a 2008.

Já em 2016, entrou para a Agência NAcional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como diretor, onde ficou um ano e dez meses antes de assumir a presidência da agência em 2018. No órgão, William Dib foi responsável por acelerar o processo de regulamentação do uso medicinal da cannabis no Brasil, sendo um dos colaboradores da RDC 327/2019, que autoriza a fabricação, importação, comercialização, prescrição, bem como a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de cannabis para fins medicinais no país.