Uso inadequado de cigarros eletrônicos causou mortes, explica diretor de Pneumologia do InCor

Dr. Carlos de Carvalho, que chefia a UTI respiratória do HC, orienta usuários de vaporizadores com relação à lesão pulmonar que se tornou uma crise nos EUA e que recentemente teve casos confirmados no Brasil

Publicada em 16/12/2019

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A confirmação de três casos de lesão pulmonar associada ao uso de cigarros eletrônicos no Brasil, nas últimas semanas, pela Sociedade Brasileira de Pneumologia (SBPT) deixou muitos usuários desses equipamentos apreensivos. Vaporizadores são usados, não apenas de forma recreativa, mas também medicinalmente com Cannabis in natura ou por fumantes de tabaco que buscam deixar o vício na nicotina.

Segundo a SBPT, os pacientes que apresentaram a patologia batizada como Evali (E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury) usaram cigarros eletrônicos com tetrahidrocanabinol (THC) em dispositivos adquiridos nos Estados Unidos. No entanto, os usuários colocaram Cannabis em aparelhos que foram feitos para receber apenas o líquido com nicotina.

"O pessoal que tem usado tem posto, além da nicotina o THC para inalar essa fumaça e ter os efeitos alucinógenos disso. É um uso inadequado desse dispositivo", informa o Dr. Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP, onde também chefia a UTI respiratória da instituição.

"Quem trouxe isso para uso recreacional, eu não recomendo porque essas substâncias derivadas da Cannabis que são feitas para uso medicinal na forma de óleo, quando colocadas nesses aquecedores não aquecem de forma adequada para dissolver tudo isso, e essa carga desses solventes no pulmão não tem por onde sair", orienta o médico.

Carlos Carvalho é doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP e, desde 1995, professor da Universidade de São Paulo. Atualmente também leciona a disciplina de Pneumologia do HC/FMUSP onde é consultor de desenvolvimento de equipamentos.

Por conta de sua pesquisa na área de pneumologia. Dr. Carvalho foi convidado, há cerca de 5 anos, para liderar um trabalho científico sobre o uso do cigarro eletrônico para diminuir a dependência no tabaco. O médico, no entanto, não deu segmento à pesquisa uma vez que esses dispositivos não são legalizados no Brasil.

Confira a entrevista de Dr. Carlos Carvalho ao portal Sechat

Vaporizadores eletrônicos se tornaram febre nos EUA (Foto: Pixabay)
Qual o envolvimento que o senhor teve com a indústria do cigarro eletrônico no passado? O senhor chegou a ser convidado para participar de um projeto, mas acabou desistindo?

Como eu dirijo a Divisão de Pneumologia do Incor e sou professor de pneumologia, uma empresa de mercado contratada pelas produtoras desses cigarros eletrônicos me procurou perguntando se eu conhecia os cigarros eletrônicos. E eu disse que sim, de vista e de literatura, e então eles me ofereceram acesso a uma literatura estrangeira para que eu me atualizasse sobre o uso desses cigarros eletrônicos como técnica para parar de fumar. Esse foi o contato, eu os recebi e depois falei que não tinha interesse em desenvolver nenhum trabalho científico com isso porque esse tipo de dispositivo não estava liberado no Brasil.

O que já se sabe sobre a Evali e os seus sintomas? Chega a ser uma doença? É somente uma lesão? 

Isso começou recentemente. Começaram a surgir casos de pessoas que desenvolviam uma inflamação aguda nos pulmões, normalmente pessoas jovens, e essa inflamação aguda causava um grande desconforto respiratório, uma dificuldade respiratória intensa, associada a alguns sintomas no organismo. Alguns com febre, outros com dor de cabeça, alguns com dores nos músculos e até intolerância digestiva. Então uma série de sintomas, mas sempre com sintomas respiratórios mais críticos, mais graves, e alguns deles necessitando o indivíduo ir para a terapia intensiva.

Quando isso se expandia, inflamando os dois pulmões, muitos precisaram ir para a UTI utilizar ventilação artificial para tentar reverter a baixa oxigenação sanguínea decorrente dessa inflamação difusa dos pulmões. E esses casos começaram a ser relatados em portais médicos, universitários, e o Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) se interessou porque achava que era uma doença potencialmente infecciosa.

Então, pesquisando um vírus, uma bactéria ou outro agente infeccioso, os dados desses pacientes começaram a ser centralizados nesse CDC. Os pesquisadores começaram a procurar quais os potenciais causadores dessa inflamação aguda nos pulmões, uma vez que os testes para agentes infecciosos estavam dando todos negativos.

Primeiro se percebeu que não era diretamente causado por nenhum vírus, bactéria ou fungo. E os estudos de associação mostraram que mais de 90% dos casos diagnosticados estavam associados ao uso, dias antes ou no próprio dia, ao uso de cigarros eletrônicos. E a substância que estava sendo colocada no cigarro eletrônico era, ou THC purificado na forma de óleo, ou nicotina, ou associação de THC com nicotina. Então, como a enorme maioria desses casos estava associada ao aquecimento dessas substâncias, foi visto que isso estava de alguma maneira relacionada ao desenvolvimento dessa inflamação. 

Sobre esses cigarros eletrônicos, a ocorrência dessa doença foi apenas em produtos falsificados?

Produtos registrados. O cigarro eletrônico em si é um bastão que tem um sistema de aquecimento de vaporizar uma substância que você coloca lá dentro. Tem uma forma que você coloca tabaco prensado, que é algo muito mais intenso, ou então em sachês de nicotina.

O CBD ninguém descreveu nada que esteja relacionada com essa inflamação do pulmão, mas sim com o THC no uso desses cigarros eletrônicos. Esses cigarros são produtos de fábricas que foram criados para serem usados em concentrações progressivamente menores de nicotina para a pessoa desmamar do hábito de fumar. E o pessoal que tem usado tem posto, além da nicotina o THC para inalar essa fumaça e ter os efeitos alucinógenos disso. É um uso inadequado desse dispositivo.

Alguns pacientes utilizam a Cannabis in natura na forma vaporizada para controle de dores intensas. Para esse tipo de tratamento existe risco?

Esses vaporizadores, de uma forma geral, onde o cigarro eletrônico é um tipo deles, é que estão associados a essa situação de risco para o desenvolvimento dessa inflamação. Como a Medicina ainda não entende totalmente o mecanismo de lesão pulmonar devido a essa inalação desses vaporizadores, não conseguimos ter uma resposta definitiva.

Creio que, com o continuar dos estudos e com, infelizmente, surgindo outras pessoas, vai ser possível fazer análises e entender melhor o que pode ser o agente causador disso. Mas neste momento, não se sabe adequadamente isso.

Com relação ao uso da maconha medicinal, a maconha in natura tem uma concentração maior de THC do que de CBD, do que é necessário, depende obviamente de outros fatores, não é 100% verdade isso que estou falando. Mas proporcionalmente, medicamentos que purificam o CBD, que já está demonstrado que têm efeitos potencialmente benéficos numa série de doenças, não tem essa mesma demonstração para o THC.

Então quando você põe uma maconha in natura, a pessoa está inalando uma quantidade de THC desproporcional ao que ela precisa. E o THC não é isento de efeitos adversos. Então esse tipo de inalação não tem substrato médico para ser recomendado assim.

Com relação às informações de que a causa da Evali seria, não o THC, mas o solvente utilizado, se fala até na vitamina D. O que é verdade com relação a isso?

Nesse levantamento que está sendo feito nos EUA, eles encontraram em alguns pacientes o solvente que vai em algumas dessas substâncias, que são normalmente substâncias orgânicas da classe das gorduras, e esses solventes não são adequadamente absorvidos e metabolizados no pulmão. Então eles se acumulam no pulmão. E isso foi encontrado no pulmão de pacientes que faleceram ou de biópsias que foram feitas.

Então o papel desses solventes não está totalmente esclarecido. Não significa que o solvente por si só possa ser inadequado. Por exemplo: tem uma empresa americana que produz Cannabis medicinal e ela dilui a Cannabis e está autorizada a vender. E ela usou esse produto em mais de 5 mil pacientes e mandou para o CDC os resultados do uso dessa Cannabis medicinal que é diluída com essa vitamina, mostrando que não viu até hoje nenhum caso de doença associada à inalação da vitamina.

Ainda não há uma definição total, então são associações isoladas que não têm comprovação. A Medicina não sabe ao certo o que é o fator desencadeante dessa inflamação aguda. Mas ela levou a morte de pelo menos 50 pessoas ao redor do mundo.

Qual o perfil do paciente que tem aparecido com essa lesão e qual a recomendação para quem está utilizando esse tipo de aparelho?

O perfil do paciente normalmente são indivíduos jovens que têm se exposto. No Brasil, esse aparelho não autorizado a ser usado, então quem usa aqui trouxe de fora, ou é irregular. Na internet, tem empresas vendendo, mas a Anvisa não autorizou o uso desses cigarros eletrônicos aqui.

Se o indivíduo trouxe de fora e vai usar para parar de fumar, que discuta isso com seu médico e siga a orientação dele. Use o sachê próprio de concentrações progressivamente menores de nicotina para se afastar do hábito de fumar. Quem trouxe isso para uso recreacional, eu não recomendo, porque essas substâncias derivadas da Cannabis, que são feitas para uso medicinal na forma de óleo, quando colocadas nesses aquecedores não aquecem de forma adequada para dissolver tudo isso. E essa carga desses solventes no pulmão não tem por onde sair. Vai ficar impregnado dentro do pulmão.

Então não recomendo a utilização desses cigarros eletrônicos com substâncias que muitas vezes são feitas no quintal das casas ou adaptadas para uso nesse dispositivo. A pessoa estará correndo risco de uma coisa potencialmente muito grave.