Quem vai libertar o gênio da lâmpada?

É preciso uma visão mais progressista para que o ecossistema da cannabis continue se desenvolvendo

Publicado em 30/06/2024
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Não é novidade que o mercado da cannabis é considerado promissor, podendo atingir 1 bilhão de reais em 2024 no Brasil e 92 bilhões de dólares no mundo até 2027. Contudo, estas estimativas começam a sofrer questionamentos de especialistas principalmente pela falta de regulamentação mais ampla deste mercado.  Para que estes números se consolidem é necessária uma visão sustentável, não apenas econômica, mas sobretudo social, envolvendo o meio ambiente e a saúde em sua plenitude para além da doença, visando o bem-estar da população, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.  

No contexto do ecossistema da cannabis, o Brasil está gestando um gênio dentro da lâmpada, em um ambiente com potencial de posicionar o país como um dos líderes mundiais na produção de medicamentos e diversos outros produtos “verdes”, oriundos da cadeia produtiva da cannabis. Este gênio macunaímico pode ser alimentado pelas empresas privadas, como as farmacêuticas e outras instituições públicas, como universidades, institutos de pesquisa, órgãos legislativos e executivos, associações canábicas de pacientes e ONGs.  

É fácil perceber este ambiente de inovação, inexistente alguns anos atrás, em diversos eventos sobre cannabis no Brasil e no mundo. O 3° Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal, simultaneamente com a Medical Cannabis Fair ocorrido entre os dias 23, 24 e 25 de maio de 2024, em São Paulo é um exemplo deste cenário nacional, onde profissionais de saúde, cientistas, empresários, políticos, advogados, servidores públicos, associações canábicas, dentre outros profissionais, compartilharam um ambiente rico de ideias e negócios. Neste espaço de networking, destaca-se o grande e justificável interesse dos participantes em desenvolver pesquisas científicas na área de cannabis. Apesar dos avanços legislativos, o principal obstáculo para firmar parcerias científicas público-privadas no Brasil, ainda é a falta de uma regulamentação que promova, com menor burocracia, a pesquisa com cannabis nas universidades públicas e institutos de pesquisa.  

Segundo dados do Anuário da Cannabis Medicinal 2023 da empresa Kaya Mind, apenas 75 autorizações especiais de pesquisa com cannabis foram concedidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) até julho de 2023, resultando em aproximadamente 200 estudos científicos publicados. Apenas a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) obteve autorização da agência para cultivo. As Universidades Federais de Viçosa (UFV) e de Santa Catarina (UFSC) obtiveram autorizações por via judicial. O Projeto de lei n° 563/2023, que Institui o Programa de Plantio para fins medicinais de Cannabis no Estado e dá providências correlatas, protocolado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, há mais de um ano, tenta libertar o gênio. 

Não se trata de culpabilizar a ANVISA ou o legislativo pela rolha que mantém o gênio brasileiro dentro da lâmpada. Certamente diversas outras entidades nacionais pressionam esta rolha para não ser retirada. Caso um dia este gênio seja libertado, com plenos poderes, poderemos fazer três desejos canábicos: saúde, justiça social e prosperidade.  

 

Imagem do colunista Rogério Martins Amorim
Rogério Martins Amorim

Rogério Martins Amorim é médico veterinário, professor associado do Departamento de Clínica Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, campus de Botucatu e coordenador do NEICANN – Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Cannabis