Universidade Federal de Viçosa recebe autorização para construir primeiro banco genético de Cannabis no Brasil
Projeto financiado pela empresa Cannabreed Technology Brasil visa coleta e estudo de variedades para atender demandas industriais e medicinais
Publicada em 08/11/2024
O professor Derly Henriques da Silva, do Departamento de Agronomia, será o curador do Banco de Germoplasma | Imagem: UFV
A Universidade Federal de Viçosa (UFV) tornou-se a primeira instituição pública no país a sedear um banco genético de Cannabis Sativa L. , planta com potencial de uso industrial e farmacêutico. Com um investimento de R$ 1,5 milhão, o projeto foi viabilizado pela empresa Cannabreed Technology Brasil e autorizado pela Justiça para iniciar o cultivo de 5 mil plantas.
Banco de Germoplasma de Cannabis na UFV
A criação do Banco de Germoplasma de Cannabis, que integra o Departamento de Agronomia da UFV, marca um passo significativo para que o Brasil explore a Cannabis Sativa L. como uma commodity agrícola. “A ideia é reunir, conhecer e classificar as variedades da planta, permitindo o avanço de estudos que possam atender a demandas variadas, como fármacos, fibras e óleos combustíveis”, explica o professor Derly José Henriques da Silva, responsável pelo projeto.
Autorização e Estrutura do Banco Genético
A implementação do banco foi possível por meio de um habeas corpus concedido pela Subseção Judiciária da Justiça Federal de Viçosa, que permite à UFV e à Cannabreed cultivarem cerca de 400 variedades da planta em uma área de quase um hectare, no Vale da Agronomia. Segundo Henriques, a parceria com a Cannabreed surgiu devido ao crescente interesse do mercado e do potencial económico da planta.
Obstáculos Regulatórios e Investimento
Embora o cultivo de Cannabis no país deva ser regulamentado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, a presença de compostos psicoativos na planta exige a supervisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “A Anvisa considera que o tema envolve questões de saúde e, por isso, requer estudos adicionais”, afirma Henriques. Como solução, a UFV e a Cannabreed recorreram à Justiça, destacando o projeto como uma iniciativa científica para futuras pesquisas.
Início das Obras e Medidas de Segurança
A construção do Banco de Germoplasma, autorizada na última segunda-feira (21), contará com segurança reforçada e monitoramento constante pela Vigilância da Universidade, garantindo a proteção das plantas. Em área aberta e com equipamentos de segurança, o projeto tem início imediato e busca contribuir para o desenvolvimento da planta no Brasil, facilitando o acesso a estudos que podem moldar o futuro da Cannabis como commodity agrícola.
O potencial da Cannabis
Ainda segundo Derly Henriques, a Cannabis é uma planta comercialmente muito promissora. Por ter raízes profundas, protege o solo e pode ser cultivada em áreas degradadas. A produção de biomassa ajuda no sequestro de CO2, um gás causador do efeito estufa. O crescimento rápido, com produção de flores em cerca de cinco meses, permite o consórcio com outras plantas, como nas entressafras de soja, por exemplo. O caule e as folhas podem ser aproveitados para a obtenção de cânhamo, uma fibra usada para a produção de roupas e até de materiais de construção. A semente é rica em proteínas e óleos, com potencial de aproveitamento para a indústria de alimentos e fármacos.
É nas flores que estão os canabinoides psicoativos. “É crescente o número de estudos visando ao uso seguro dos canabinoides na saúde humana. Medicamentos feitos com estes princípios ativos já são comercializados em todo o mundo, mas os preços são muito altos para quem precisa deles. Nosso país tem clima e solos apropriados para a produção desta planta com todo este potencial. O que nós queremos, na UFV, é desenvolver pesquisas visando conhecer a planta e suas demandas agronômicas, quando em cultivo aqui no país, para que possamos viabilizar a produção segura e sustentável”, diz o professor.
O Banco de germoplasma
Bancos de germoplasma são lugares criados para conservar materiais genéticos de uma ou mais espécies de animais, vegetais e microrganismos. Armazenados, eles formam um grande patrimônio de informações genéticas que podem ser usados por gerações futuras. Por enquanto, o projeto da UFV que envolve a Cannabis prevê a coleção apenas das sementes das variedades, mas poderá se estender, por exemplo, para cultura de tecidos. Estes materiais guardam genes de grande importância, permitindo o desenvolvimento de plantas mais produtivas e adaptadas a diferentes climas, solos e necessidades dos agricultores e do mercado.
O objetivo, segundo o professor Derly, é coletar sementes de até cinco mil diferentes tipos de plantas de Cannabis. Para criar a coleção, o Banco precisa receber doações de todas as regiões do país e do mundo. Com o tempo, poderá também doar variedades para outras instituições, praticando, assim, o intercâmbio de recursos genéticos.
Uma vez recebidos os diferentes tipos de plantas, o próximo passo será plantar as sementes para descrever e registrar cientificamente as características e condições de adaptabilidade da planta. Os dados gerados permitirão conhecer a capacidade produtiva e o melhor potencial de aproveitamento dos subprodutos, ou seja, para qual fim aquela variedade seria mais adequada.
Depois de passar por essas fases, a planta ganha uma espécie de passaporte com dados que serão disponibilizados para a comunidade científica, instituições e empresas conveniadas que estejam interessadas no cultivo ou na produção de híbridos para determinados fins comerciais. “As informações sobre as plantas serão públicas e estarão, inclusive, em publicações científicas, mas o acesso aos diferentes tipos de plantas será feito mediante convênio com empresas interessadas”, explica Derly.
A obra do Banco de Germoplasma da UFV deverá estar finalizada até o início de 2025 para começar a receber plantas e a cultivar as sementes. Ainda de acordo com o professor Derly, tudo será feito dentro dos preceitos da ciência para que o material genético seja utilizado de forma clara e transparente. “Para que a Cannabis seja um bom negócio para o Brasil e seus produtos sejam utilizados para a promoção da saúde, essa iniciativa da UFV é o primeiro passo”, afirma o pesquisador, que será também o curador do Banco de Germoplasma de Cannabis.