Cultivo de cannabis no Brasil: monopólio e a necessidade de regulamentação equitativa

A autorização especial à Universidade Federal de Viçosa para criação de banco genético, caso seja de fato concedida, não só cria um desequilíbrio na competição, mas também inibe e prejudica a atividade empresarial no país

Publicada em 29/10/2023

capa
Compartilhe:

Por Lorenzo Rolim da Silva

Prezados leitores, 

Recentemente, a Universidade Federal de Viçosa anunciou sua intenção de criar um banco de sementes de cannabis no Brasil, um projeto liderado pelo Agrônomo Dr. Derly Jose Henriques da Silva. Embora essa iniciativa tenha o objetivo nobre de fornecer acesso a sementes selecionadas para cultivo pessoal medicinal para pacientes e associações, ela levanta sérias questões jurídicas e potenciais problemas futuros que me obrigam a fazer um destaque aqui no Sechat

A Universidade de Viçosa já possui autorização para o cultivo de cannabis com base em um acordo obtido através de um habeas corpus para um paciente específico e acordo com uma empresa. Agora, busca a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para estabelecer um banco de sementes. No entanto, o problema central dessa situação é que a criação desse banco de sementes pode resultar em um monopólio, concedendo a uma única instituição um controle significativo sobre um setor que tem grande potencial econômico e social. 

Essa autorização especial à Universidade de Viçosa, caso seja de fato concedida, não só cria um desequilíbrio na competição, mas também inibe e prejudica a atividade empresarial no país dentro deste setor. Além disso, outras universidades e centros de pesquisa que também têm interesse em cultivar cannabis para fins medicinais ou de pesquisa não tiveram o mesmo acesso privilegiado a essa planta que hoje a Universidade de Viçosa tem, criando uma assimetria grave no desenvolvimento do mercado e da pesquisa nacional. 

Existem ainda preocupações adicionais da indústria, como disputas sobre a propriedade intelectual das cultivares desenvolvidas, já que a Universidade de Viçosa teria o controle exclusivo sobre o acesso a essas sementes. Isso pode levar a conflitos legais complexos e prolongados, sobrecarregando ainda mais o sistema judiciário já sobrecarregado do Brasil, criando conflitos de forma totalmente desnecessária, caso houvesse uma regulamentação clara e justa no país. 

É importante enfatizar que a responsabilidade não recai sobre a Universidade de Viçosa, muito pelo contrário, o trabalho do Professor Derly e da sua equipe, bem como a iniciativa da Universidade são louváveis em avançar de qualquer forma que seja possível.  

A verdadeira culpa é do Ministério da Agricultura, da Anvisa e do Governo Federal do Brasil. A demora absurda na regulamentação da cannabis medicinal e industrial no Brasil, bem como a falta de regras claras e equitativas para todos os interessados, contribuem para a atual situação confusa. Lembrando que estamos nesta luta desde o ano de 2016 e nunca houve um apoio real para a criação de regras para o cultivo nacional vindo do governo, mas sim um lobby internacional extremamente prejudicial que criou um mercado no Brasil 100% abastecido por importações. 

Para promover o desenvolvimento sustentável e saudável da indústria da cannabis medicinal no Brasil, é crucial que o governo crie um ambiente regulatório justo e igualitário para todos os participantes. Isso não apenas estimulará a pesquisa e a inovação, mas também garantirá que as famílias e associações que dependem dessas plantas para fins medicinais tenham acesso às variedades de alta qualidade de maneira justa e transparente, e talvez mais importante do que isso, irão permitir a livre escolha de cultivares em lojas especializadas, a criação de um mercado enorme de assistência técnica para a classe agronômica do Brasil (que diga-se de passagem é uma das melhores do mundo, se não a melhor) e um mundo de investimento em novos negócios, gerando emprego e renda. 

Em resumo, a criação de um banco de sementes de cannabis liderado por uma única universidade representa um problema jurídico e ético. É fundamental que o Brasil, por meio de seus órgãos reguladores, atue rapidamente para estabelecer regulamentações claras e justas que permitam a competição saudável e o acesso equitativo a essa planta que possui um enorme potencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas. 

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Lorenzo Rolim da Silva é Engenheiro Agrônomo e presidente da LAIHA (Associação Latino-Americana de Cânhamo Industrial).