Ministério da Saúde reconhece importância de pesquisa e regulamentação da cannabis

O discurso de Rodrigo Cariri vai ao encontro da Lei de Drogas que autoriza o cultivo de plantas proscritas para fins terapêuticos e pesquisas científicas

Publicada em 06/12/2023

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Thaís Castilho

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, a fala de Rodrigo Cariri, representante do Ministério da Saúde, ganhou destaque ao afirmar que a pasta reconhece a prerrogativa de aprovar o plantio de cannabis para fins de pesquisa e medicinais.

Esse posicionamento vai de acordo com o artigo 5.912/06 da Lei de Drogas, que direciona para o Ministério da Saúde a autorização do cultivo de plantas proscritas para fins médicos e pesquisas científicas.

Sem cultivo e pesquisa nacional, o Brasil colhe as consequências do atraso

Atualmente, pelo menos duas universidades no Brasil podem realizar o cultivo de Cannabis para fins de pesquisa: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A UFSC foi pioneira nessa conquista através de um salvo conduto concedido pela 1ª Vara da Justiça Federal, em Florianópolis, que autoriza o pesquisador e professor Erik Amazonas, do Centro de Ciências Rurais (Campus de Curitibanos), a realizar o cultivo, preparo, produção, fabricação, depósito, porte e prescrição da Cannabis sativa.

Já a UFRN teve de forma inédita uma autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)  para desenvolvimento de pesquisas pré-clínicas que não serão feitas em humanos. 

Em 2023, a Universidade Federal de Viçosa (UFV) solicitou autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o cultivo de cinco mil pés de cannabis, iniciativa que pode resultar no primeiro banco genético do país, mas ainda não teve uma resposta.

Para o docente na Universidade Federal de Mato Grosso, Maximilian Wilhelm Brune, que leciona no Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS), é importante utilizar os espaços democráticos para discutir a cannabis.

“Primeiramente é necessário que haja um debate amplo sobretudo com a sociedade e nos seus espaços de representação democrática, portanto a participação do congresso nacional e suas respectivas câmaras de discussão e apreciação é imprescindível. Desta forma, é possível regulamentar com leis para as pesquisas e até mesmo a produção para fins específicos”, reforça. 

Enquanto o preconceito em torno da planta for o tônus do posicionamento dos parlamentares quando o assunto é cannabis, o Brasil estará na posição de espectador, vendo os países vizinhos avançando nas pesquisas e incorporando uma indústria milionária em sua economia.

O Anuário da Cannabis Medicinal 2023 elaborado pela Kaya Mind mostrou que o mercado nacional movimentou cerca de 700 milhões de reais esse  ano. Isso num cenário sem regulamentação efetiva e sem incentivo a pesquisa.

 “Existem muitos países investindo em pesquisa e desenvolvimento na área, na América do Norte, Canadá e EUA são exemplos disso. Isso abrange desde o melhoramento genético das plantas, suas técnicas de cultivo, extração dos fármacos até as prescrições e comercialização. Há legislações que regulamentam, sem deixar de ter uma visão econômica”, reforça o professor. 

Vencer o preconceito para incentivar as pesquisas acadêmicas no país

Mesmo sem apoio efetivo do governo, entre 1940 e 2019, pesquisas consideradas de relevância científica pelas principais bases de dados, colocam a USP em primeiro lugar como a instituição que mais publica artigos sobre o canabidiol (CBD) no mundo. 

Mesmo assim, levar essa pauta para dentro das universidades significa enfrentar o preconceito e a desinformação 

“A liberdade para falar de cannabis no meio acadêmico existe, entretanto é um assunto delicado, pois existem muitas controvérsias sobre o assunto. Alguns docentes demonstram preconceitos, desconhecem o histórico da cannabis nas sociedades e suas múltiplas funções. Nesse sentido, é importante que se tome cuidado para que não haja interpretações distorcidas por parte da comunidade acadêmica e também da comunidade externa, pois estamos à serviço da população. A abordagem científica é o melhor meio para que se trate do assunto”, comenta Maximilian Wilhelm Brune.

Endocannabinologia nos cursos de saúde

Apesar de mais de 400 mil pessoas estarem em tratamento medicinal com cannabis no país, pouco mais de 15 mil médico(a)s prescrevem os produtos de cannabis.

O Sistema Endocannabinoide, um dos mais complexos e importantes do corpo humano, capaz de regular todos os outros sistemas vitais, passa despercebido nas faculdades de ciências médicas e da saúde.

Para se ter uma ideia, a Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais, em 2023, é a primeira instituição de ensino superior do país a oferecer um curso sobre o sistema endocanabinoide dentro da Graduação em Medicina.

“Sou professor do curso de biomedicina, para os alunos de qualquer área da saúde, seria importante que soubessem sobre esse sistema. Na faculdade que leciono, na disciplina de toxicologia esse sistema é abordado no curso”, destaca.