Ingestão acidental de THC por crianças pode levar à perda do poder familiar, advogados explicam
O descuido com derivados da cannabis pode resultar em acusações de negligência, omissão e até tráfico de drogas
Publicada em 26/06/2025

Mão de criança com gomas de THC | Imagem Ilustrativa: Canva Pro
Com embalagens coloridas e sabores adocicados, comestíveis à base de tetrahidrocanabinol (THC) — como balas, gomas e chocolates — podem parecer inofensivos aos olhos das crianças, aumentando o risco de consumo acidental e intoxicação. Infelizmente, a ingestão acidental de THC por crianças é real e crescente.
Segundo um levantamento recente da plataforma JustAnswer, as perguntas sobre esse tipo de acidente aumentaram 218% entre 2022 e 2024.
Esse aumento está relacionado, em parte, à popularização dos derivados da cannabis, especialmente em países com regulamentações mais permissivas. No Brasil, embora o uso medicinal da cannabis esteja em expansão, os produtos com THC permanecem altamente controlados. A presença deles em lares com crianças pode gerar implicações médicas e legais importantes.
Para entender as possíveis consequências jurídicas da ingestão acidental de THC por crianças, o portal conversou com os advogados Cynthia Argolo (criminalista, pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela PUC) e Saulo José Anciutti Pires (jurista e pós-graduando em Direito Público e Direito Contemporâneo pela Esmafe). Eles responderam, em conjunto, às dúvidas mais frequentes dos pais e responsáveis.
É obrigatório que os responsáveis informem os serviços de saúde que o produto ingerido pela criança continha THC?
Sim, é obrigatório. Independentemente da legalidade do produto, os pais ou responsáveis têm o dever ético, médico e jurídico de informar exatamente o que foi ingerido. Omitir pode configurar crimes como omissão de socorro, e, em casos mais graves, falsidade ideológica ou negligência dolosa, principalmente se a omissão for intencional.
O que pode acontecer com os responsáveis, caso uma criança ingira acidentalmente um produto com THC em casa?
Vai depender das circunstâncias. Se ficar comprovado descuido no armazenamento, os responsáveis podem responder por negligência, exposição de menor ao risco (ECA), ou até por crimes do Código Penal, como perigo à vida ou saúde. Em casos extremos, pode haver suspensão do poder familiar (medida extrema onde os pais são destituídos de seus direitos e deveres em relação aos filhos menores de idade, incluindo a guarda, educação e tomada de decisões sobre a vida da criança).
Existe diferença na responsabilização caso o produto com THC seja de uso medicinal autorizado ou de uso recreativo?
Sim, e é uma diferença relevante. Se o produto tiver prescrição médica e for autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou por uma associação regularizada, existe uma base legal. Porém, isso não exime os pais da responsabilidade de armazenar com segurança.
Já no uso recreativo, que é ilegal no Brasil, as consequências são mais graves e podem envolver acusação de tráfico, dependendo do caso.
Em situações como essa, o Conselho Tutelar deve ser acionado? A Vara da Infância também pode se envolver?
Sim. Os hospitais normalmente acionam o Conselho Tutelar em qualquer situação que envolva risco para crianças. A Vara da Infância pode ser envolvida se houver indícios de violação de direitos. O Ministério Público também pode ingressar com medidas protetivas.
Que tipo de orientação jurídica vocês dariam a famílias que possuem produtos com THC em casa, especialmente com crianças?
Primeiro, ter respaldo legal: prescrição, autorização da Anvisa ou habeas corpus preventivo.
Segundo, armazenar como um medicamento controlado: em armário trancado, fora do alcance de crianças. Evitar comestíveis com aparência atrativa. Manter toda a documentação do produto. E em caso de ingestão acidental, ir ao hospital imediatamente e nunca mentir sobre o ocorrido.
O que a lei diz?
Caso os responsáveis sejam investigados, há artigos do Código Penal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Civil que podem ser aplicados:
Responsabilização criminal possível:
Art. 132 – Perigo para a vida ou saúde de outrem
Art. 133 – Abandono de incapaz
Art. 243, ECA – Fornecimento de entorpecente a menor
Art. 13, §2º, CP – Omissão imprópria
Responsabilização cível:
Art. 1.638, Código Civil – Perda ou suspensão do poder familiar
Para profissionais de saúde:
Art. 135 – Omissão de socorro
Art. 299 – Falsidade ideológica, caso ocultem dados intencionalmente