Tudo sobre o marco legal da cannabis medicinal

O Sechat levantou as principais dúvidas sobre o PL 5511/2023 apresentado pela senadora Mara Gabrilli no final do ano passado. Entenda detalhes da proposta em uma entrevista exclusiva realizada com a autora do projeto

Publicada em 06/03/2024

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O Marco Legal da Cannabis Medicinal tem sido objeto de intensos debates e discussões, principalmente após a apresentação do projeto de lei 5511/2023 pela senadora Mara Gabrilli no final do ano passado. Diante da crescente relevância e interesse público em torno dessa iniciativa, o Sechat realizou uma entrevista exclusiva com a autora do projeto, buscando esclarecer as principais dúvidas e detalhes da proposta. Neste texto, vamos explorar profundamente os pontos-chave desse marco legal, fornecendo uma compreensão abrangente sobre o seu impacto e implicações para o tema no Brasil.

 

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Mara Gabrilli é publicitária, psicóloga e senadora pelo PSD/SP. Foi secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura da capital paulista, vereadora na Câmara Municipal de SP e Deputada Federal por dois mandatos consecutivos. Em 2018, com 6.513.282 votos, foi eleita para representar São Paulo no Senado Federal (mandato 2019-2026).

Sechat - Qual a ideia do PL 5511/2023?

Mara Gabrilli - O projeto 5511/2023 é amplo: estabelece normativas para o cultivo, produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização, prescrição, manipulação, dispensação e utilização de cannabis, bem como dos medicamentos e produtos derivados. A ideia é de fato regulamentar o cultivo da cannabis para fins medicinais, inclusive na medicina veterinária, além do cânhamo industrial.  

Também atendemos a uma demanda antiga dos pacientes e a matéria contempla o autocultivo por pessoas físicas, de modo seguro, com prescrição médica e sob autorização dos órgãos de controle. Cabe ainda lembrar que o PL contempla diferentes vertentes em um texto único, incentivando, acima de tudo, a pesquisa e produção de cannabis em território nacional. Em síntese, a proposta atende a diferentes setores, contribuindo para o avanço das discussões sobre o tema que tramitam no Congresso.

 

Sechat - Qual a diferença do PL 5511/2023 para o PL 399/2015, que tem quase 10 anos desde sua primeira apresentação?

Mara Gabrilli - O PL 399/2015 é uma proposta robusta e de muita qualidade, porém o texto não contempla o autocultivo por pessoas físicas. Nas discussões na Câmara dos Deputados, a proposta restringiu, inclusive, o potencial de produção da maioria das associações de paciente. Para além disso, o que me levou a apresentar essa nova proposta é a MOROSIDADE da Câmara dos Deputados na deliberação da matéria. Falamos de um texto que já foi amplamente discutido e, infelizmente, por conta de uma ala conservadora e que desvirtua a real intenção do projeto, que é a saúde pública, a proposta não avança. Nesse sentido, buscamos contemplar muito do que já foi consensuado nas discussões do PL 399, mas incluímos outras questões que são importantes para a sociedade. A ideia é que o Senado promova uma discussão mais madura e livre de preconceitos, já que o Brasil tem imenso potencial agrícola e pode ser líder mundial nesse mercado em franca ascensão no mundo. Queremos que ele tramite de forma célere e chegue à Câmara já com a chancela de uma Casa.

 

Sechat - Que pontos podem ser destacados no PL 5511/2023?

Mara Gabrilli - Temos alguns, sendo eles:

- Possibilidade do autocultivo por pessoas físicas (com prescrição e controle dos órgãos reguladores). Essa é uma demanda antiga de pacientes que hoje lutam na Justiça para terem o direito de plantar a cannabis para fins medicinais. Ainda são pouquíssimos brasileiros que conseguem essa autorização;

- Possibilidade de associações de pacientes, com menor número de pessoas, também possam atender as demandas terapêuticas de seus associados;

- Autorização para importação da cannabis in natura, para uso medicinal pessoal (atualmente a Agência Nacional de vigilância Sanitária proibiu esse tipo de importação justamente pela falta de regulamentação);  

- O projeto regulamenta o plantio e a comercialização da cannabis para fins medicinais em território nacional, estimulando assim o agronegócio, a indústria, a pesquisa e o desenvolvimento científico no Brasil;

- Possibilidade de tratamento também para os animais. No Brasil, os medicamentos para uso veterinário não passam por um processo de registro e regulamentação feitos por uma Agência Sanitária, então, todo o processo é mais moroso e de mercado pouco atrativo, fazendo com que muitos produtos terapêuticos estejam indisponíveis aqui. Desse modo, permitir que os benefícios dados aos humanos sejam extensivos aos animais, além do altruísta, aquecerá mais um mercado de grande potencial econômico e em expansão no Brasil;

- Fora do contexto medicinal, um dos usos industriais mais conhecidos da cannabis é na confecção de papel, fios e tecidos, cosméticos, tintas, materiais de construção e outras aplicações, em que é utilizado o cânhamo – variante do gênero sem propriedade psicoativa relevante. Hoje, o maior produtor mundial é a China, mas a União Europeia é um mercado consumidor e produtor importante, mas os Estados Unidos, que legalizou a produção do cânhamo em 2018, durante o governo de Donald Trump, deu ao agronegócio estadunidense mais uma opção de cultivo e que, em 2022, foi avaliada em US$ 13,2 bilhões e segue em crescimento.  

 

Sechat - O texto dispõe sobre o uso adulto também? Se não, explique as diferenças.

Mara Gabrilli - O objetivo do projeto 5511/2023 é desburocratizar o acesso à cannabis medicinal. A proposta não trata do uso adulto, o chamado uso recreativo. Entendemos que são discussões diferentes.  

 

Sechat - Em um contexto agro, qual a importância desse PL para o Brasil no que tange o mercado?

Mara Gabrilli - No Brasil, o potencial com a legalização do cultivo, comercialização e exportação é projetado em US$ 5 bilhões por ano pela Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann). A Kaya Mind, empresa brasileira especializada no segmento, apontou que, em 2022, o mercado de medicamentos à base de cannabis no Brasil, ainda pouco regulado, movimentou R$ 363,9 milhões. Imagine o quanto movimentaremos quando tivermos a regulamentação do cultivo e produção?

Permitir o cultivo de Cannabis como atividade agrícola é assegurar que o Brasil produza medicamentos e produtos de cannabis em larga escala. Isso irá beneficiar a população porque ampliará o acesso a medicamentos eficazes que estarão ao alcance de pessoas com baixo poder aquisitivo. Além disso, incrementaremos a nossa indústria têxtil e criaremos possibilidades de negócios para agricultores familiares e grandes agricultores. Toda essa geração de emprego e renda ainda tem o benefício de proteger o meio ambiente, uma vez que o cultivo da cannabis é de baixíssimo passivo ambiental quando comparado às demais atividades de silvicultura. Isso sem mencionar o valor comercial agregado por se tratar de uma planta com baixíssimo consumo hídrico, crescimento rápido e grande potencial para capturar carbono.

 

Sechat - Mesmo com alguns países no mundo como EUA, Canadá, Israel, Alemanha, dentre outros, já possuir uma regulamentação sobre o uso medicinal da cannabis, no Brasil, ainda se discute se os compostos da planta são realmente benéficos ou não para a saúde e qual o intuito de se criar uma regulamentação para isso. Ao seu ver, o que falta para mudar essa percepção?

Mara Gabrilli - É urgente que o nosso Parlamento se debruce sobre esse tema sem preconceitos, com seriedade e aprofundamento, porque sem legislação o que impera é a clandestinidade. Não faz sentido essa ser a opção de crianças, adultos e idosos que precisam de um tratamento de saúde e não podem arcar com os custos de importação ou com o alto valor dos medicamentos já comercializados hoje nas farmácias brasileiras.

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Óleo a base de Canabidiol (CBD), composto medicinal encontrado na planta da cannabis (Imagem: Canva)

Esperamos que os senadores escutem a sociedade, que tem se mostrado por inúmeras pesquisas de opinião que os brasileiros estão maduros para o uso medicinal da cannabis. Eu mesma realizei junto ao DataSenado uma pesquisa em 2019 e entre outros dados, os resultados mostraram que 79% da população é a favor de que medicamentos feitos a partir da planta sejam disponibilizados no SUS, nosso Sistema Único de Saúde.

É preciso que o Parlamento brasileiro, espaço crucial e de importância decisória para toda a sociedade, comece a olhar a cannabis como uma planta, planta essa com grande potencial terapêutico, nada mais além de uma planta com peculiaridades importantes, como todas as outras usadas na medicina. É preciso dar espaço para a ciência, já passamos do tempo do obscurantismo medonho e da ignorância mãe de todos os males.  

 

Sechat - Por fim, existem prazos para a votação desse projeto? Isto é, como está o andamento do PL na casa legislativa e quais as perspectivas para uma possível aprovação?

Mara Gabrilli - Bom, o PL foi apresentado em meados de novembro de 2023, já no final da sessão legislativa. Tramitará na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e depois segue para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) em decisão terminativa. Aprovado nos dois colegiados, seguirá para a Câmara dos Deputados, onde receberá um novo caminho de tramitação.  

Não há prazos definidos para a tramitação, mas os parlamentares podem solicitar urgência e acelerar o processo. Entretanto, essa é uma decisão que deve ser avaliada estrategicamente, nem sempre acelerar o processo é o melhor caminho. Em resumo, estou confiante que a CRA abra caminhos para evidenciar a importância médica e econômica da cannabis para os brasileiros. Tratar a cannabis como atividade agrícola é fomentar a pesquisa científica, dar acesso a um medicamento de inestimável importância terapêutica, assegurar ao agronegócio uma commodity de enorme potencial econômico e aquecer a indústria de modo geral, então, estou bastante confiante de que aprovaremos esse PL e modificaremos o destino injusto dado a essa planta, que nada mais é que uma planta, uma planta de inúmeros valores medicinais, comerciais e econômicos.