Aumenta busca por tratamento com cannabis nas favelas do Rio

Relatório inédito destaca acesso limitado e desigualdades enfrentadas por famílias negras e de baixa renda

Publicada em 26/06/2023

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Por redação Sechat

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Pais e mães negros com renda abaixo de um salário mínimo são os que mais buscam o acesso à maconha para o tratamento terapêutico de seus filhos, de acordo com um relatório lançado pela organização Movimentos. A pesquisa inédita, intitulada "Plantando saúde e reparação: o uso terapêutico da maconha nas favelas do Rio de Janeiro", revela que a maioria das pessoas (68%) precisa pagar pela substância ou recorrer a doações de ONGs (32%).

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O estudo, realizado em dezembro de 2022 com moradores das favelas cariocas, como Cidade de Deus e os Complexos da Maré e do Alemão, identificou que 73,3% dos entrevistados se declaram negros e que as mulheres são mais da metade. A principal condição de saúde tratada com o uso terapêutico da maconha nessas comunidades é o espectro autista, mencionado por 52% dos participantes.
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A pesquisa destaca a urgência de produzir dados que subsidiem políticas públicas sobre o tema. De acordo com Aristênio Gomes, um dos pesquisadores, muitas pessoas nas favelas têm buscado alívio de sintomas para várias doenças por meio do uso terapêutico da maconha. Ele ressalta que há estudos que atestam o potencial terapêutico dessa substância, mas, mesmo assim, muitas pessoas dependem principalmente da ajuda de organizações não governamentais e doações para ter acesso à saúde. Gomes enfatiza que garantir esse acesso é dever do Estado.
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O perfil dos respondentes mostra que a maioria é composta por pessoas negras (73,3%), com renda mensal inferior a um salário mínimo (60%) e que recebem algum tipo de benefício social do governo (58%). Em relação à identificação religiosa, 32,38% afirmam não ter uma prática religiosa, mas não se declaram ateus. Chama a atenção o percentual de evangélicos (27,62%) e católicos (23,81%), considerando que muitas religiões têm visões moralistas sobre o tema e condenam o uso de substâncias psicoativas.
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Jéssica Souto, coordenadora da pesquisa, ressalta a crueldade da criminalização dessas famílias. Ela destaca que enquanto pessoas brancas ricas e de classe média têm acesso a melhor qualidade de vida para seus filhos, com acompanhamento médico, amparo judicial e informação, famílias pretas e moradoras de favelas enfrentam diversas barreiras para obter essa substância. Souto reforça que essas famílias convivem constantemente com o medo da criminalização, violência e repressão associadas ao uso, mesmo quando possuem prescrição médica.
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A pesquisa também aborda as condições de saúde tratadas com a maconha e seus derivados. Além do espectro autista, outras condições mencionadas foram epilepsia, sintomas de ansiedade, sintomas de depressão e dores. Quanto às formas de uso terapêutico da maconha, a maioria dos moradores de favelas que participaram do estudo utiliza o óleo (60%) e o cigarro/baseado (18%).
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O relatório destaca o estigma em torno do uso terapêutico da cannabis. Cerca de 42% das pessoas ouvidas afirmaram já ter sofrido preconceito por fazer uso ou tentar acessar a maconha para fins terapêuticos. Entre aqueles que utilizam o cigarro de maconha, 78,9% relataram ter sofrido algum tipo de preconceito, enquanto os usuários do óleo enfrentaram menos repressão, com apenas 31,7% informando terem sido submetidos a algum tipo de preconceito.
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A pesquisa revela que a maioria das pessoas conheceu o uso terapêutico da maconha através de parentes, amigos ou vizinhos (40%), seguido pela internet (32%), indicação médica (13%), organizações não governamentais (8%) e televisão (3%).
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Em relação aos gastos mensais e ao investimento financeiro no uso terapêutico da maconha, 68% dos respondentes afirmaram ter algum gasto com a substância. Os valores variam, sendo que a maioria gasta de 201 a 300 reais por mês. No entanto, 32% afirmaram não ter gastos, pois são assistidos por organizações não governamentais que fornecem as substâncias derivadas da maconha por meio de doações.
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O óleo de maconha é a forma mais utilizada pelos participantes que fazem uso terapêutico, sendo que a maioria experimentou apenas um tipo de composto. O canabidiol foi o canabinoide mais mencionado (69%), seguido pelo THC (15%). A obtenção do óleo de maconha geralmente ocorre por meio de doações realizadas por organizações não governamentais atuantes nas favelas do Rio de Janeiro.