Este professor está em campanha pela regulação da Cannabis na Medicina Veterinária do Brasil

Erik Amazonas critica a burocracia para acessar remédios à base de maconha para nossos pets e explica porque a planta funciona tanto para eles como para nós

Publicada em 26/12/2019

capa

O veterinário Erik Amazonas, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é um dos principais pesquisadores e incentivadores da Medicina Veterinária canabinoide no Brasil. Ele leciona a pioneira disciplina de endocanabinologia na UFSC e, recentemente, ajudou a trazer a Florianópolis o 1º Simpósio Internacional do tema, encontro que reuniu diversos profissionais dos EUA na Ilha da Magia.

Contudo, enquanto Brasília avança na Cannabis medicinal para uso humano, para os animais o assunto nunca evoluiu. Por isso, Amazonas decidiu iniciar uma campanha nacional por essa regulação.

Em novembro, ele apresentou um manifesto ao Conselho Regional de Medicina Veterinária de SC hoje conta com apoio da entidade. Já na semana passada, o veterinário entrou com uma Ideia legislativa no Senado Federal pedindo por uma “regulação adequada para o uso de canabinoides em animais, baseada nos princípios científicos, e ao encontro do código de ética veterinária, visando o desenvolvimento da Medicina Veterinária Canabinoide no Brasil".

Ao receber 20 mil apoios, a ideia se tornará uma Sugestão Legislativa, e a partir de então será debatida pelos Senadores. Em outubro, uma Sugestão Legislativa (06/16) que previa “um padrão regulamentar abrangente para a maconha medicinal e o cânhamo industrial no Brasil” se tornou Projeto de Lei (5295/19) e já tramita na Casa. Erik espera que o mesmo aconteça com a proposta dele.

Segundo o professor, o Ministério da Agricultura, que é quem regula a Veterinária no país, é omisso com relação ao tema. Já a Anvisa, na regulamentação aprovada em dezembro, não incluiu o uso veterinário na norma.

Nessa entrevista ao portal Sechat, Amazonas criticou a burocracia para acessar remédios à base de maconha para nossos pets e explicou porque a planta funciona, tanto para eles, como para nós. O professor falou também sobre a disciplina de endocanabinologia do curso de Veterinária da UFSC.

Uma área ainda pouco explorada no Brasil é uso da medicina canabinoide na veterinária. Os animais também podem ser tratados com Cannabis?

Os animais somos nós também. E nós compartilhamos boa parte dos processos fisiológicos que outros animais têm, especialmente os mamíferos, como cães, gatos e cavalos. O poder terapêutico da Cannabis não é a planta, mas um sistema fisiológico que todos os animais vertebrados têm, que é o sistema endocanabinoide. Então a gente, modulando esse sistema, tem as funções terapêuticas da Cannabis. É exatamente o mesmo alvo terapêutico da medicina canabinoide humana.

Então o que a gente faz na medicina veterinária é um espelho do que se faz na medicina humana, com uma certa vantagem: a gente tem mais estudos na medicina veterinária do que na medicina humana, na prática. Todos os estudos que chegaram na medicina humana passaram em alguma fase anterior ao ser humano, em alguma espécie animal, e muitas delas usaram os próprios cães, então a gente pode pegar dados diretamente daí. A gente tem vários estudos que seriam pré-clínicos do ponto de vista humano, mas que extrapolam direto para uso clínico na Veterinária. A gente faz um uso restrito na Medicina Veterinária, mas por uma falta de aproveitamento de estudos de fora da nossa área. É por isso que a maior parte dos veterinários fala que não tem muitos estudos na área veterinária, quando na verdade é o contrário.

Erik Amazonas durante a Marcha da Maconha de Florianópolis
Um dos seus casos mais famosos é o da cadelinha Yara, que tinha crises convulsivas intensas e resolveu o problema com tratamento à base de Cannabis. Pode contar a história dela?

Eu chamo os animais de filhos. Então ela é filha de uma aluna minha, que veio me perguntar se tinha como ajudar a cadela com óleo de Cannabis. Ela não queria entrar com Gardenal ou Diazepam. Era uma cadela de um ano só e que ela sabia que teria alguma complicação hepática. Então eu cheguei para atender a cadela na casa dessa minha aluna e, no meio da consulta, ela teve uma crise muito forte. Eu fui com o óleo numa dose que eu chamo de “não estou nem aí”, foi até ela parar. Foi uma dose muito alta! Nisso, eu voltei a conversar com a tutora, quando ela teve uma segunda crise. Foi aí que eu dei uma dose para sedar ela.

A cadela tinha de 10 a 12 convulsões por dia e, depois que começou com o óleo, teve apenas as duas do dia da consulta e novamente no dia seguinte. Hoje ela está há 9 meses sem crises. Agora ela viaja com a tutora, vai a praças, parques, coisas que ela não fazia porque ela ficava confinada em casa. 

Leia aqui a história da cadela Yara, que zerou as convulsões após iniciar o tratamento com Cannabis

Erik Amazonas aplica gotas de óleo rico em THC na cadela Yara (Foto arquivo pessoal)
Como funciona hoje para um veterinário receitar Cannabis para o um gato ou um cachorro? E como é o acesso a esse tipo de medicação? Quem regula isso é o Ministério da Agricultura e não Anvisa, correto?

Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares! A Medicina Veterinária é regulada pelo Mapa. Acontece que o Mapa não versa sobre isso nas suas resoluções, então não há proibição. O que se tem visto é: todos os pedidos para uso animal feitos ao Ministério da Agricultura, inclusive o nosso, são aprovados, mas sempre com a sugestão de pedir à Anvisa, porque é onde a planta tem regulação. Já na Anvisa, dos casos que eu tenho conhecimento, ela barrou todos, mas talvez por uma questão regimental. Isso ficou claro quando a Anvisa liberou a venda de medicamentos e deixou específico que é para uso humano. Eu entendo como uma restrição do órgão para falar sobre a medicina veterinária.

Então a gente tem essa omissão do Mapa e a ‘não entrada’ nesta área pela Anvisa. E os veterinários estão sem saber o que fazer. Uma parte acha que é ilegal. Outra parte, como aqui no Conselho Regional de Medicina Veterinária de Santa Catarina, o entendimento é que não há ilegalidade por várias razões, entre elas nosso próprio código de ética, que tem como um dever lançar mão de tudo que estiver no nosso alcance para aliviar o sofrimento e elevar o bem estar de um animal. 

E o acesso, eu tenho tido relatos de doutores que têm conseguido óleos comerciais, mas boa parte usa o artesanal, conseguido muitas vezes por alguém que está produzindo. Mas a maior parte dos tutores que chegam até mim já tem o óleo na mão e só quer saber como usar.

Você entrou em dezembro com uma sugestão legislativa no Senado Federal por um projeto de lei de regulação para o uso de canabinoides em animais. Explica melhor essa iniciativa.

Essa ideia foi justamente pela falta de qualquer tipo de menção ao uso de canabinoides na Medicina Veterinária no Mapa, que é onde deveria estar sendo debatido, e para provocar uma conscientização de que o Brasil tem muito a ganhar com a Medicina Veterinária. Não é apenas na parte medicinal, mas produtiva, usar essa planta na produção animal, na bovinocultura de corte, de leite, agricultura, suinocultura.

Estudos mostram que o rendimento pode ser superior a 30% em cada ave quando tem suplementação por sementes de Cannabis. Isso é um lucro exorbitantemente alto com uma mudança de manejo muito simples. Fora o uso agronômico, que é maior que o medicinal, para fazer tecidos, biocombustíveis, bioconstrução. A gente tem a ciência nos mostrando um caminho muito simples para recuperação econômica e social de um país quebrado.

Capa da revista argentina THC sobre uso da Cannabis na Veterinária
Você leciona a disciplina de endocanabinologia no curso de Medicina Veterinária da UFSC. Pode nos explicar mais sobre essa disciplina?

Assim como a gente tem a disciplina de genética, de anatomia, eu incluí essa disciplina, endocanabinologia, para estudar especificamente o sistema endocanabinoide dentro do curso de Medicina Veterinária. Ela é uma disciplina optativa, mas eu estou pensando em passar ela no futuro para obrigatória.

Eu me formei numa faculdade que me ensinou que nunca existiu esse termo ‘sistema endocanabinoide’. E eu sou professor de uma universidade que tem um curso de Medicina Veterinária que também não tinha esse assunto no currículo. Então alguém tinha que introduzir esse assunto!

Como todo o poder terapêutico da Cannabis vem da modulação desse sistema, então a disciplina é para entender como esse sistema funciona na fisiologia dos seres humanos e como usar os canabinoides da planta mais os terpenos para regular o sistema inteiro. Tenho a ideia de criar um curso de extensão para o próximo ano, para ser aberto e online.

Qual o risco de intoxicação por THC nos animais domésticos? É diferente dos efeitos colaterais nos seres humanos?

Na medicina veterinária, o que eu tenho visto, é que tenho tido melhores experiências com óleos ricos em THC do que em CBD. O que tem melhor funcionado para mim em vários animais é um óleo que tem 50x1 de THCxCBD. Um caso específico é o da Yara, que está usando 2,5 mg/ml de THC e eu não tenho relatos de efeito colateral.

Em quase 100% dos feedbacks que eu tenho dos tutores, eles me dizem que o animal voltou a ser o que era antes de começar a enfermidade. Eu não considero algo preocupante, já usei doses cavalares como na própria Yara e ela não teve nenhum dano. Recentemente eu tive a experiência de uma tutora que adquiriu um óleo comercial com baixa concentração de THC, 0,45 mg/ml, e não está tendo sucesso nenhum em controlar as crises epiléticas. Estou em busca de um óleo artesanal para ela, que faz mais efeito. Então talvez o THC para animais seja mais confiável para os animais do que o CBD.