Maconha e psicose  

Afinal, a cannabis contribui ou não para o surto psicótico? Veja a opinião dos especialistas

Publicada em 24/11/2023

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Recentemente, um estudo conduzido por pesquisadores australianos e europeus, conforme publicou a Revista Fórum, analisou 334 pessoas com alto risco de desenvolver psicose, afirmando que a cannabis não guarda relação significativa com surtos psicóticos. No entanto, essa conclusão diverge de outras pesquisas que defendem o oposto, lançando uma sombra de incerteza sobre a questão central: 

Afinal, a cannabis contribui ou não para o surto psicótico? 

Para esclarecer essa controvérsia, buscamos a expertise de dois renomados especialistas, o médico psiquiatra com vasto conhecimento em cannabis, Dr. Wilson Lessa, e o neuropediatra e presidente da Associação Panamericana de Medicina Canabinoide, Dr. Flávio Geraldes. 

Dr. Lessa pondera sobre a associação aparente entre o consumo de cannabis e surtos psicóticos, especialmente em jovens. Ele destaca que muitos casos registram um consumo intenso da substância semanas ou meses antes do surgimento da psicose. No entanto, o médico questiona se a cannabis é a verdadeira causa do problema ou apenas um componente observado no período pré-psicótico. 

“Não creio que alguém argumentaria que a cannabis está a ajudar nesta situação, ou que a cannabis é indicada nestes cenários, mas será que a cannabis causou o problema?”

O especialista destaca quatro maneiras distintas de avaliar a situação. Primeiramente, discute a possibilidade de que o uso precoce da cannabis aumenta as chances de desenvolver esquizofrenia e outros transtornos psicóticos. Em seguida, explora a hipótese de que o auto-tratamento intensivo com cannabis, muitas vezes associado a outras substâncias, pode ser um componente prodrômico (conjunto de sintomas que antecede a manifestação ou o aparecimento de uma doença) da esquizofrenia.

A terceira abordagem envolve a ideia de que genes específicos são responsáveis tanto pela psicose quanto pelo uso excessivo de cannabis, criando uma "responsabilidade compartilhada". Por fim, destaca a visão da Dra. Staci Gruber, uma das principais pesquisadoras de cannabis da Harvard Medical, que argumenta que a associação entre o uso de cannabis e a psicose pode ser influenciada por variáveis de confusão inadequadamente controladas, sugerindo que o uso dos compostos da planta, por si só, não é suficiente para causar transtornos psicóticos. 

Dr. Lessa enfatiza a necessidade de estudos mais aprofundados, mas sugere que a cannabis pode não ser a vilã nessa relação complexa. 

Por outro lado, Dr. Flávio Geraldes destaca nuances importantes, especialmente em relação ao teor de THC na cannabis. Ele ressalta que o THC em altas quantidades pode ser ansiogênico (capaz de induzir ou de causar ansiedade), desencadeando surtos psicóticos.  

“Quando falamos do uso fumado dos derivados da planta, não temos controle do que cada pessoa está utilizando, dificultando assim um diagnóstico preciso. No entanto, quando se trata de canabidiol (CBD) isolado, as chances de surtos psicóticos são significativamente menores”, adverte Geraldes.  

Em conclusão, a relação entre cannabis e surtos psicóticos permanece um campo de estudo complexo e em evolução. As opiniões dos especialistas divergem, evidenciando a necessidade de pesquisas adicionais para se chegar a um veredito conclusivo sobre o papel da cannabis nesse contexto delicado.