A colcha de retalhos da regulamentação da cannabis no Brasil: 10 anos de avanços e desafios
Com trajetórias distintas e o protagonismo do poder judiciário, o mercado da cannabis medicinal no Brasil ainda enfrenta lacunas regulatórias, agora organizadas no "Manual Jurídico da Cannabis Legal", de Murilo Nicolau
Publicada em 21/12/2024
Imagem: Canva Pro
A longa trajetória, até hoje incompleta, da regulamentação da cannabis no Brasil após séculos da sua proibição, teve início em abril de 2014. A primeira autorização concedida para importação do canabidiol foi da paciente Anny Fischer, que teve sua história retrata no documentário ILEGAL: A vida não espera, de 2014, dirigido por Tarso Araújo. Naquele momento ainda não existiam meios legais de se ter acesso a produtos de cannabis.
Em 2024, 10 anos depois, o paciente que deseja ter acesso à cannabis medicinal pode fazê-lo por quatro vias: compra do produto na farmácia, importação, aquisição através de uma associação de pacientes e autocultivo medicinal.
Cada via de acesso possui sua trajetória ao longo desses 10 anos, tendo em comum sua viabilização através do poder judiciário. Entretanto, não foram julgadas num mesmo processo, pelo mesmo tribunal ou se quer todas analisadas por uma mesma área do direito. O atual cenário da cannabis no Brasil pode ser comparado a uma colcha de retalhos, composta por peças diferentes, mas com um propósito comum.
Evidenciada a complexidade do tema, o jurista Murilo Nicolau se propôs a organizar num manual jurídico todos esses eventos importantes e distintos para compreensão dos caminhos que a cannabis trilhou até aqui.
No “Manual Jurídico da Cannabis Legal”, lançado pela editora Thoth o direito negocial é a linha de pensamento que guia a narrativa. Essa área do direito é caracterizada por ser mais abrangente e considerar os diversos agentes que poderão ser impactados com as decisões.
Conforme explica o autor do livro "É muito importante essa análise através do direito negocial, porque não basta o estado regulamentar. As relações civis, as relações econômicas, elas precisam acontecer com segurança. Não basta ser criada uma regulamentação da cannabis se, por exemplo, não usufruirmos da regulação dos contratos, como o direito à saúde, que é um direito personalíssimo, protegido constitucionalmente."
Na visão de Murilo o mercado da cannabis medicinal ainda não é suficientemente regulamentado. Ainda falta a regulamentação do cultivo, que está em andamento após a decisão do STJ, mas que é restrita a um baixo nível de THC, igual ou inferior a 0,3%.
"O THC é uma molécula medicinal também, a própria Anvisa reconhece. Não sabemos se o cultivo em solo brasileiro vai, da forma como está a nossa regulação, ser vantajoso. Ele ainda pode ser muito caro", explica Nicolau.
Poder judiciário como pioneiro na regulamentação da cannabis no Brasil
Como citado anteriormente o judiciário brasileiro possui um papel fundamental no movimento de regulamentação da cannabis no Brasil. Dentre algumas características que explicam esse pioneirismo estão os processos que chegam para os juízes e precisam ser julgados.
De toda forma, Murilo pontua que "esse é um dos poucos momentos em que a gente vê o judiciário forçando uma regulação em cima do governo. Muitas vezes o papel do judiciário é um papel posterior à regulação, ele só vai atuar após a regulação. A questão é que a cannabis trata do direito à saúde e como o governo nunca regulamentou, o judiciário teve que entrar em campo e assumir essa responsabilidade"
Rede de advogados que se especializam no tema faz toda diferença para o avanço da pauta
Para que o judiciário se veja obrigado a julgar processos que tratam do acesso à cannabis medicinal, são necessários advogados que possuam amplo conhecimento do tema e dos trâmites do judiciário, de forma que as chances de sucesso nos processos sejam altas.
A união desses juristas para troca de informações, portanto, é de suma importância. A intenção de Murilo ao publicar o livro foi essa também. "Quando eu comecei não tinha nenhuma base de cannabis e nem contato com as pessoas do setor, não tinha a quem recorrer. Haviam poucas jurisprudências, poucas decisões. Por isso para mim é muito relevante poder hoje publicar o Manual Jurídico da Cannabis Legal, porque posso ampliar esse conhecimento."
O livro está disponível para compra no site da editora. O lançamento presencial será no dia 31 de janeiro na OAB/PR - Subseção de Londrina, Rua R. Gov. Parigot de Souza, 311 - Jardim Caiçaras, Londrina, espaço conquistado pelo autor para ampliar o debate sobre o tema dentro da OAB.
"É muita alegria para mim poder levar esse tema para dentro da OAB e poder dialogar com a sociedade jurídica essa questão, sempre tendo como norte o respeito às opiniões contrárias e o respeito à opinião democrática dos advogados e advogadas. Esse é um espaço de todos nós, não tem muito certo e errado. A nossa intenção com isso é sensibilizar as pessoas e mostrar o porquê que a cannabis precisa ser regulamentada. Mostrar na prática, trazendo pacientes para serem ouvidos e especialistas para falarem." finaliza Murilo.