A história do primeiro pedido para produzir medicamentos com cannabis no Brasil

Décadas antes da regulamentação, o Lafepe já propunha o uso terapêutico da cannabis no Brasil

Publicada em 01/01/2025

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Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) Imagem: Reprodução Instagram

Em meados dos anos 1990, o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) foi a primeira instituição no Brasil a formalizar um pedido formal para produzir medicamentos à base de cannabis. Em entrevista publicada na revista cientifica Scielo Brasil, o Professor Antônio José Alves conta o desenrolar desta história.

Segundo o Dr. Alves, que liderou o laboratório de 1994 a 1998, a ideia de utilizar maconha para fins terapêuticos surgiu de uma reportagem na televisão. A matéria mostrou à Polícia Federal apreendendo e incinerando grandes quantidades de Cannabis sativa em Pernambuco, um dos maiores produtores da substancia do mundo naquela época. Vendo o desperdício do material, Alves propôs uma nova abordagem: aproveitar as percepções para desenvolver medicamentos e realizar pesquisas.

Com vasta experiência na produção de medicamentos genéricos, especialmente antirretrovirais, o professor vislumbrava a criação de um medicamento purificado à base de  tetrahidrocanabinol (THC) e outros canabinóides. Os principais pacientes eram alvo de AIDS, câncer e epilepsia, para os quais o medicamento atuaria como antiemético, ajudando a reduzir vômitos e náuseas graves. Essa proposta foi inspirada em medicamentos como o Dronabinol, já em uso nos Estados Unidos.

 

O desafio regulatório e a rejeição
 

 

Mesmo com o apoio do Governador Miguel Arraes, a proposta encontrou resistência no Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) e na Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS). A negativa ocorreu por causa de entraves burocráticos e pela falta de aprovação prévia das Comissões de Ética, aplicável a qualquer tentativa de fabricação do medicamento.

"Foi uma confusão, meu telefone tocava direto e eu ainda não tinha falado com Arraes. À tarde eu fui lá (no Palácio do Governo) teve essa confusão, mas o projeto foi negado. Eu ainda briguei com o povo lá", relata Dr. Alves.

 

Negativa de Elisaldo Carlini

 

Um fato curioso foi a assinatura negativa do professor Elisaldo Carlini, então secretário da Anvisa e um dos maiores defensores da pesquisa com cannabis medicinal. Embora reconhecesse a importância do projeto, Carlini explicou que, sem o respaldo das comissões de ética, seria inviável aprovar o uso clínico dos canabinoides naquela época.

"Mostrei a ele que seria muito difícil, pois a lista de documentos, autorizações, fiscalizações era enorme e não deve (como até hoje) resolver nada a não ser muito lentamente. A situação ficou muito complicada para o colega Alves, quando o CONFEN negou o pleito dele", disse Carline.

Carline apontou o Dr. Alves como um dos exemplos da ciência brasileira. "Numa época ingrata tentou o 'sonho impossível'. Não importa que não tenha conseguido, houvesse uma política menos conservadora e que realmente apoiasse nossa gente cientifica, o desfecho bem poderia ser outro. Mas até hoje me orgulho e tenho a honra de ter discutir com ele este projeto", finaliza.