Gastos públicos na guerra às drogas no Brasil atinge cifras bilionárias

Proibicionismo custa R$ 51 bilhões anualmente e contribui para o encarceramento de populações negras e pobres, destaca relatório

Publicada em 03/07/2024

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São Paulo (SP), 24/06/2024 - Prefeitura e governo instalam grades na Cracolândia e delimitam espaço de usuários de drogas. | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

A guerra às drogas no Brasil tem gerado um impacto significativo nas finanças públicas e na sociedade, destacando-se como um dos principais desafios do país. De acordo com o Atlas da Violência 2024, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os custos anuais das mortes violentas relacionadas à proibição das drogas podem chegar a R$ 51 bilhões. Esses valores refletem não apenas a perda de vidas humanas, mas também os gastos substanciais do Estado com o sistema de justiça criminal e saúde pública.

Custos econômicos e sociais do proibicionismo

 

O proibicionismo de drogas implica altos custos econômicos e sociais. Além da perda de milhares de vidas humanas, há um enorme custo financeiro suportado pelo Estado. Este inclui despesas com policiamento, Ministério Público, Defensoria Pública e o sistema prisional. Estimativas indicam que, apenas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, esses gastos alcancem cerca de R$ 5,2 bilhões anuais.

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Maurício Lobo | Foto: Arquivo

“Toda política antidrogas no Brasil ela não é contra as drogas, mas sim contra o usuário”, destaca o advogado membro consultor da comissão especial da cannabis medicinal do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), Maurício Lobo, que completa: “A abordagem policial feita nas periferias e grandes conjuntos habitacionais, não é a mesma realizada em um condomínio de luxo”.

Lobo lembra ainda, que atualmente existem cerca de 50 mil pessoas encarceradas por posse de 25g de substâncias ilícitas, como a maconha, o que gera um custo ao estado de R$ 1,5 bilhão por ano.

O projeto “Drogas: Quanto Custa Proibir”, publicado pelo Centro de Estudos em Segurança Pública (CESeC) em 2019, dividiu esses custos em três áreas principais: finanças públicas, educação e saúde. O primeiro estudo, “Tiro no Pé”, evidenciou os elevados gastos com atividades repressivas e punitivas do sistema de justiça criminal. O segundo, “Tiros no Futuro”, analisou os impactos sobre a educação, com crianças e jovens tendo seu desempenho acadêmico comprometido pela violência decorrente da guerra às drogas. Finalmente, o terceiro relatório, “Saúde na Linha de Tiro”, revelou os prejuízos ao acesso a serviços de saúde causados por confrontos armados frequentes.

Desigualdade racial e encarceramento

 

A guerra às drogas também acentua a desigualdade racial no Brasil. De acordo com o relatório, o proibicionismo, aliado ao racismo institucional no sistema de segurança pública, resulta em uma prevalência desproporcional de indivíduos negros mortos ou encarcerados. A criminalização seletiva da juventude negra e periférica é agravada pela falta de critérios objetivos para diferenciar consumidores de traficantes, que resultou, por exemplo, na recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminalizou o porte de maconha, definindo uma quantidade de 40g ou seis pés de plantas fêmeas para consumo pessoal.  

Para Lobo, “a descriminalização da maconha por parte do supremo tem sim reflexos positivos na sociedade, principalmente em comunidades periféricas. O que o STF fez, foi ter a coragem de tratar de um assunto em que os políticos, muitas das vezes, são omissos por interesses eleitorais. Contudo, é preciso lembrar que o estado é laico e nossas opiniões religiosas ou pessoais, não devem fazer parte do debate sobre drogas, que por sinal, deve ser entendido como uma questão de saúde pública e não de segurança”.

Dados do Atlas da Violência 2024 mostram que o tráfico de drogas está ligado a quase 70% das mortes em alguns estados, como Minas Gerais. Aplicando esse percentual em nível nacional, estimamos que cerca de 32 mil vidas foram perdidas em 2022 devido ao tráfico de drogas. Em contrapartida, apenas 1.460 pessoas morreram por envenenamento ou overdose de drogas ilícitas no mesmo ano, demonstrando a disparidade entre as mortes associadas ao proibicionismo e ao uso de drogas.

Facções criminosas, corrupção e impacto econômico das mortes violentas

 

O proibicionismo favorece também o surgimento e a consolidação de facções criminosas no Brasil. Estima-se que existam cerca de 70 facções, cuja renda provém principalmente do tráfico de drogas. Esses grupos investem em armamentos e corrupção policial, perpetuando sua existência e aumentando a violência e a insegurança pública.

Pesquisas indicam que as mortes violentas relacionadas ao proibicionismo resultam em enormes perdas econômicas. Calcula-se, ainda de acordo com o Atlas, que apenas em 2017, ocorreram um milhão cento e quarenta e oito mil Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) devido a essas mortes. Este indicador aponta que o proibicionismo reduz a expectativa de vida ao nascer do brasileiro em 4,2 meses.

Os dados apresentados pelo Atlas da Violência 2024 demonstram, segundo Maurício Lobo, “uma irracionalidade em se persistir na política de proibicionismo das drogas. Além dos altos custos financeiros e da perpetuação da violência, a guerra às drogas sustenta o racismo estrutural e a desigualdade social no Brasil. Por isso, a busca por alternativas que promovam a justiça e a equidade social se faz urgente, visando a construção de uma sociedade mais justa e segura para todos”.