“Ninguém precisa se drogar com a maconha para ter canabidiol”, diz Osmar Terra 

Deputado afirma que apenas o CBD é medicinal e destaca que existe um lobby no congresso para a regulamentação do uso indiscriminado da planta. No entanto, especialistas contestam as afirmações do parlamentar e destacam avanços científicos na área

Publicada em 09/01/2024

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O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) tem se destacado por suas críticas contundentes contra a regulamentação do uso medicinal da cannabis, afirmando que apenas o canabidiol (CBD) possui propriedades medicinais. Terra alega que a "maconha medicinal" é apenas uma estratégia para promover a liberação indiscriminada da planta, classificando-a como uma afronta ao Congresso e à lei brasileira. 

"O canabidiol é a única substância que pode ter algum efeito em epilepsias de doenças raras, sendo encontrado isolado em medicamentos nas farmácias. Ou seja, ninguém precisa se drogar com a maconha para ter CBD", afirma. 

O parlamentar ressaltou também que "é uma desfaçatez o lobby da liberação maconha travestida a de ‘medicinal’. Além de ilegal pela lei brasileira, há propaganda como se fosse remédio. Enganam as pessoas e principalmente, os jovens incautos". 

De acordo com Terra, a “cannabis medicinal” nada mais é que a maconha concentrada em forma de óleo, com todas suas "consequências como esquizofrenia, retardo mental, dependência química, todas doenças incuráveis".  

No entanto, médicos especializados e regulamentações recentes desmentem suas afirmações. 

O neurocirurgião e diretor científico do portal, Dr. Pedro Pierro, destaca o exemplo do Mevatyl, um medicamento à base de cannabis reconhecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Contrariando as palavras do deputado, Pierro enfatiza que “o Mevatyl é aprovado em vários países como Canadá, Espanha, Inglaterra e até mesmo no Brasil, e possui em sua formulação concentração de Tetrahidrocanabinol (THC 2,7mg/ml) maior que de Canabidiol (CBD 2,5mg/ml). Isto é, o que o deputado diz não condiz com a realidade”, alerta Pierro. 

O médico psiquiatra Dr. Wilson Lessa questiona a fala de Osmar Terra, lembrando que o Mevatyl está aprovado no Brasil desde 2017 e ressalta a importância de compreender a regulamentação internacional:  

“Será que o deputado Osmar Terra é ignorante quanto ao fato de o Mevatyl ser aprovado no Brasil desde 2017? Será que ele desconhece que países conservadores como Israel tem uma agência governamental para regular o uso medicinal da cannabis (Israeli Medical Cannabis Agency)? Se sim, deve estudar mais. Se não, devemos colocá-lo no ostracismo da história”, disse o médico que lembra que o mesmo deputado afirmou no começo da pandemia de Covid-19 que não teríamos mais do que 800 mortes no Brasil causadas pela doença.    

Além disso, é crucial mencionar que a Anvisa aprovou e regulamentou o registro de cerca de 32 produtos à base de cannabis, marcados com "tarja preta" devido ao risco potencial de dependência, aumento de tolerância e intoxicação. No entanto, a agência confere aos médicos e pacientes a autonomia na decisão de utilizar esses compostos como alternativa de tratamento, fornecendo opções com índices específicos de THC. 

Lessa conclui citando as palavras do neuropsicofarmacologista inglês David Nutt, que alerta para a manipulação política em torno das drogas, sugerindo que alguns políticos podem distorcer a verdade para ganhar votos. 

“Não querem dizer a verdade sobre as drogas, querem manter as mesmas como uma ferramenta política, algo que podem usar para bater em seus oponentes e ganhar votos, mesmo que isso signifique enganar o público” - trecho retirado do livro Cannabis (Seeing through the smooke) the new science of cannabis + your health, David Nutt.   

Diante desse cenário, é fundamental analisar as evidências científicas e regulamentações que respaldam o uso medicinal da cannabis, separando o debate de preconceitos infundados. 

*David John Nutt é o presidente da Drug Science, organização sem fins lucrativos que fundou em 2010 para fornecer informações independentes e baseadas em evidências sobre drogas. Até 2009, ele foi professor na Universidade de Bristol, chefiando a Unidade de Psicofarmacologia. Desde então, é presidente Edmond J. Safra em Neuropsicofarmacologia no Imperial College London e diretor da Unidade de Neuropsicofarmacologia da Divisão de Ciências do Cérebro. Nutt foi membro do Comitê de Segurança de Medicamentos e foi Presidente do Colégio Europeu de Neuropsicofarmacologia.