Tratamento com Cannabis Medicinal é usado para dar bem-estar às pessoas com dores, doenças graves e TEA
Segunda bateria de palestras no primeiro dia do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal apontou a eficácia do tratamento de doenças com canabinoides
Publicada em 04/05/2022
Por Kim Belluco
O Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal (CBCM) teve início nesta terça-feira, simultaneamente à Medical Cannabis Fair (MCF), maior feira dedicada ao uso da cannabis no Brasil. Os eventos foram realizados no Expo Center Norte, em São Paulo. A segunda bateria de palestras do dia contou com a participação do neurocirurgião funcional especializado em dor, transtornos de movimentos, epilepsia e cirurgia psiquiátrica, Dr. Pedro Pierro, da especialista em neurologia infantil Dra. Stella Santos, da neurologista e pediatra Dra. Sandra Caires, além da coordenadora Internacional da Academia Americana de Medicina Canabinoide, Dra. Carolina Nocetti.
Dr. Pedro Pierro abriu o debate expondo os avanços no tratamento de dores por meio do uso de canabinoides. Em seguida, Dra. Stella Santos abordou o uso de canabinoides no tratamento de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Já Sandra Caires falou sobre os canabinoides nos cuidados paliativos oncológicos. Dra. Carolina Nocetti fechou o dia explicando sobre as aplicações da medicina integrativa na terapia canabinoide.
TRATAMENTO COM CANABINOIDES PODE DIMINUIR USO DE OPIOIDES
Dentre os assuntos debatidos pelo Dr. Pedro Pierro, estava a crise de opioides nos Estados Unidos, questão que chegou a ser também debatida na série Doctor House. No país norte-americano, mais de 72 mil pessoas morreram por overdose, sendo 49 mil por opioides, uma média de 135 mortes por opioides por dia.
Esse número aumentou ainda mais em 2021, quando os Estados Unidos chegaram à marca de 105 mil mortes por overdose, sendo 70 mil por opioides, média diária de 191. Os opioides, inclusive, chegaram a tirar mais vidas naquele país do que as armas de fogo e acidentes de trânsito.
No Brasil, 4.4 milhões de brasileiros já fizeram uso ilegal de opioides, cerca de 2,9% da população. A venda cresceu 465% nos últimos seis anos, sendo que a codeína é o fármaco do grupo de opioides mais consumido pelos brasileiros.
"Os opioides são super importantes para as pessoas não sofrerem com dor, mas precisam ser usados com parcimônia, talvez não devam ser a primeira indicação. Não está longe de ser um problema no Brasil, tanto que o consumo da codeína aumentou muito, e muitos a compram no mercado negro. Aí aparece o tratamento com canabinoides. Se não olharmos para uma forma de tratamento menos perigosa, estaremos abrindo mão de uma ferramenta muito importante", explicou.
O CBD, por exemplo, é um tipo de canabinoide natural. Ele tem efeito anticonvulsionante, ansiolítico e compete pelo receptor CB. É muito usado por atletas de alto rendimento, inclusive, foi liberado nas Olimpíadas. Já o THC tem ação analgésica e é o principal componente psicoativo da planta. Compete pelo receptor CB e imita a ação da anandamida.
Eles são indicados para qualquer tipo de dor, inclusive as neuropáticas, têm mínimos efeitos colaterais se comparados a outras medicações, podem ser usados em associação, se comparados a outras medicações, e ajudam a diminuir o consumo de outros analgésicos, incluindo opioides.
USO DE CBD EM PESSOAS COM TEA
O transtorno do desenvolvimento surge na infância até 2 anos e 6 meses. As crianças apresentam irritabilidade, desregulação de humor, agitação, agressividade, transtornos sensoriais, distúrbios de sono, transtornos de aprendizado, ansiedade, depressão e TOC. E não há uma terapia padrão. A pessoa com autismo necessita de uma rede de proteção, ou seja, um trabalho conjunto entre fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo e profissionais da saúde, que poderão fazer uso de medicamentos e de terapias à base de cannabis.
O tratamento com CBD em crianças com epilepsia, por exemplo, apresentou bons resultados em sintomas como ansiedade, agressividade, pânico, acessos de raiva e comportamento auto lesivo, o que leva os pais das crianças a buscarem esse tipo de tratamento. Os efeitos positivos foram apresentados no uso de 5 e 15mg/kg.
O tratamento apresentou uma melhora significativa em seis meses de uso: 66,8% das pessoas que fizeram uso do CBD apresentaram uma boa qualidade de vida e 63,5% tiveram melhora no humor. As pesquisas ainda apontam que o tratamento ajudou na melhora do sono e da autonomia.
"Além das melhorias apontadas, há indícios de redução da inflamação intestinal. Algumas pessoas têm respostas melhores do que outras. Encontrar uma personalização de dose ideal de tratamento é o grande desafio. Temos um futuro imenso pela frente para a medicina avançar. É importante estar junto com a família, com terapeutas, ser corajoso para tentar uma terapia nova, droga nova, não ficar conformado", pontuou a Dra. Stella Santos.
TERAPIA CANABINOIDE NO CONTROLE DE SINTOMAS
Os cuidados paliativos são cuidados holísticos ativos ofertados a pessoas de todas as idades que encontram-se em intenso sofrimento relacionado à saúde, proveniente de doença severa, especialmente aquelas que estão no final da vida. O objetivo dos cuidados paliativos é, portanto, melhorar a qualidade de vida dos pacientes, de suas famílias e de seus cuidados. A cada ano estima-se que 40 milhões de pessoas no mundo necessitem de cuidados paliativos, dos quais 78% vivem em países de baixa e média renda.
Nos Estados Unidos já fazem o uso de cannabis e/ou canabinoides em pacientes oncológicos. Há, inclusive, evidências substanciais quanto à eficácia dos canabinoides na dor relacionada ao câncer, alívio de náuseas e vômitos induzidos pela QTx (em especial THC oral). Há ainda melhores evidências com o uso do full spectrum. Dessas pessoas, 2/3 relataram melhora no controle de dor, ansiedade e insônia.
"Precisamos divulgar, esclarecer, sensibilizar e explicar que os cuidados paliativos não são para pessoas no final da vida, mas sim que estão recebendo uma nova chance. Por causa dos efeitos colaterais dos remédios, muitos pacientes estão preferindo sofrer de dor ao tomar medicação. Temos uma opção, de fato, que é o tratamento com canabinoide, mas, infelizmente, no Brasil temos pouco acesso a esse tipo de terapia. No entanto, há evidência de melhoras significativas no bem-estar da pessoa", disse a Dra. Sandra Caires.
Sandra destacou que o tratamento com canabinoide na fase inicial de doenças graves, como câncer e HIV ajudam e muito o paciente no controle de sintomas. Acaba sendo um dever ético para aliviar o sofrimento e respeitar a dignidade da pessoa.
A cannabis é capaz de atuar em todas as áreas do sistema nervoso central e periférico que produz, transmite e interpreta o sinal doloso. Nos nervos sensitivos, os receptores CB1 inibem a transmissão do estímulo doloroso. Os receptores CB2, nas células imunológicas da pele, inibem a liberação de citocina pré-inflamatória.
Já no gânglio da raiz dorsal e no corno posterior da medula espinhal, há receptores CB1, que, quando ativados pelo canabinoides, inibem a transmissão do estímulo nociceptivo, enquanto os receptores CB2, nestas localizações, quando ativados por canabinoides, modulam a resposta imunológica associada ao processo de sensibilização neuronal que ocorre na dor crônica.
Ou seja, segundo os estudos, o uso de canabinoides na fase inicial da doença ajuda no combate à náuseas e vômitos, estimula o apetite, e ajuda no combate à dor crônica, depressão e ansiedade.
CANNABIS É O NOVO CAMINHO
A última palestra do dia contou com a apresentação da Dra. Carolina Nocetti. Uma das precursoras do uso de canabinoide no Brasil, ela ressaltou a dificuldade de implantar o tratamento com cannabis no Brasil e ainda mais de disseminar a comunicação sobre o tema.
"São crianças, muito delas com autismo, fazendo o uso de remédios controlados, com vários efeitos colaterais, sendo que temos uma opção que é segura. O Conselho Federal de Medicina nos deu o ouro, ao divulgar que existem estudos conclusivos que a cannabis é eficaz se usada no tratamento de doenças, cabe a nós espalhar essa informação", explicou.
Em uma pesquisa, através do DataSenado, três em cada quatro brasileiros foram a favor da cannabis medicinal ser fornecida gratuitamente pelo SUS. Segundo a Dra., todos os seus pacientes atualmente fazem o uso de cannabis. Ela enfatizou ainda que, além do tratamento, é necessário uma equipe especializada por trás disso para que o paciente receba toda a atenção possível.
O potencial terapêutico da cannabis é observado em: dor (incluindo neuropática, oncológica, enxaqueca e dor em ATM), artrite reumatoide, artrose, fibromialgia, esclerose múltipla, doença de Alzheimer, doença de Parkinson, dependência química, esquizofrenia, TAG (transtorno da ansiedade generalizada), transtorno depressivo, insônia, transtorno de pânico, autismo, epilepsia refratária, doença de Crohn, retocolite ulcerativa e psoríase.
Vale lembrar ainda que o Brasil é o recordista mundial em prevalência de transtornos de ansiedade, sendo que 9,3% da população sofre com o problema, ou seja, 18,6 bilhões de pessoas. O Brasil ainda é o país que mais consome Clonazepam, principal ativo do Rivotril.
Um ponto que todos os palestrantes têm em comum é que a cannabis medicinal é segura no tratamento terapêutico nas mais variadas as situações, mas ela precisa ser um complemento a outros tipos de tratamento. O paciente necessita de uma rede de proteção, ou seja, precisa colocar a cada em dia, ter uma boa saúde mental e se abrir a novos experimentos, que chegaram para aliviar as dores de forma segura e proporcionar um maior bem-estar.
SEGUNDO DIA DE CONGRESSO
O segundo dia do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal será nesta quarta-feira (04) também com o foco na área de saúde. O evento iniciará com a palestra do psiquiatra Dr. Wilson Lessa, que explicará qual o real risco quanto ao uso da cannabis. Na sequência, a neuro pediatra Dra. Daniela Bezerra falará sobre o uso dos canabinoides na infância e na adolescência.
Os demais palestrantes são: a farmacêutica Renata Monteiro, a neurocirurgiã funcional Dra.Thania Rossi, Dr. Ricardo Ferreira, médico especializado no tratamento de doenças da coluna,a Dra. Cynthia De Carlo, cirurgiã dentista, além do pesquisador e professor de endocanabinologia, Erik Amazonas.
No final do dia, haverá um debate com apresentações de casos clínicos, com o Dr. Pedro Pierro, curador do Congresso, os atletas Talisson Glock e Susana Schnarndorf, e o Dr. Jimmy Fardin Rocha. O quarteto estará acompanhado dos profissionais de saúde: Dr. Mário Griecco, a fundadora da plataforma on-line Sativa Global Education e especialista em neuro-oncologia Dra. Paula Dall’Stella e o psiquiatra Dr. Pietro Vanni.