Cartilha de Damares critica a “maconha dita medicinal”
O autocultivo, mesmo para fins medicinais, continuará sendo proibido e não está em discussão no PL 399/2015. A omissão de tal informação pode gerar uma série de entendimentos equivocados aos que tiverem acesso ao material produzido pelo governo feder
Publicada em 07/12/2020
Por Sechat Conteúdo
Recentemente o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) lançou uma cartilha visando alertar sobre "os riscos do uso da maconha para a família, infância e juventude." A cartilha apresentada pela ministra Damares Alves aponta os riscos potenciais que o uso da cannabis pode causar, principalmente durante a juventude. Em relação ao uso medicinal da planta, é afirmado que foram realizados poucos e limitados estudos quanto aos seus efeitos terapêuticos. Dessa forma, o argumento utilizado pelo Ministério é de que “não há estudos consistentes que comprovem a eficácia e segurança” dos canabinoides, exceto pelo CBD.
A publicação foi lançada durante uma live, realizada no dia 1º. Um dos convidados foi o secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro Jr. “Além de o uso da maconha favorecer o uso de outras substâncias, não existe nenhum estudo científico que a maconha in natura pode ter efeito terapêutico”, disse o secretário, que é doutor em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Sobre a cartilha, ele explicou que a ideia foi "organizar um material baseado em evidências científicas, para que as questões ideológicas ficassem de lado. Afinal, o uso da maconha gera problemas de segurança pública, trânsito, educação, saúde, e problemas econômicos.”
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O documento critica o Recurso Extraordinário 635659 - que tramita no Supremo Tribunal Federal, e trata da descriminalização da maconha para uso pessoal - e o PL 399/2015, que pretende regulamentar o cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de Cannabis para fins medicinais e industriais. Na cartilha é mencionado que o Projeto de Lei visa “autorizar o plantio em larga escala”, não especificando que, na realidade, apenas o plantio para pessoas jurídicas, como associações e farmacêuticas, será autorizado. O plantio individual para fins medicinais continuará sendo proibido e não está em discussão no PL 399/2015. A omissão de tal informação pode gerar uma série de entendimentos equivocados aos que tiverem acesso ao material produzido pelo governo federal.
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Assim como o RE e o Projeto de Lei, a regulamentação da Anvisa realizada no início de 2020 e a discussão sobre a inclusão dos medicamentos à base de cannabis no SUS também são expostas com total reprovação pelo ministério, ao mesmo tempo em que o governo coloca-se como porta-voz da opinião pública, que seria, segundo a cartilha, contra a incorporação dos medicamentos à base de Cannabis no sistema público de saúde, mesmo sem a apresentação de números concretos de pessoas contra e favoráveis a tais decisões.
A cartilha também relaciona a flexibilização da cannabis medicinal a riscos como aumento da criminalidade, “prejuízos econômicos, sociais, e à saúde física e mental, não se tratando de uma droga inofensiva.”
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Todos rezando a mesma cartilha
Em agosto, conforme informou o Sechat, Quirino Cordeiro Jr. publicou artigo em que fez duras críticas ao Projeto de Lei 399/2015. No texto, Cordeiro diz que, “em que pese a atuação desses Grupos de Interesse, a população brasileira é majoritariamente contra a liberação de qualquer droga, hoje ilícita”. Ele promete que “o atual governo terá posição firme contra a liberação das drogas no Brasil.”
No longo texto, de quase sete páginas, ele dedicou menos de três linhas para falar dos benefícios da Cannabis medicinal para os milhares de pacientes que a utilizam pelo país, reconhecendo que “os pacientes, que se beneficiam do Canabidiol, possam ter acesso facilitado ao tratamento, como deve ocorrer em qualquer área da Medicina.” Mas complementa, dizendo que “é totalmente descabido se vender a ideia que isso possa ocorrer por intermédio de um Projeto de Lei como o 399/2015. Assim, para que a sociedade brasileira possa se proteger das investidas mentirosas e manipuladoras de todos esses Grupos de Interesse, é necessário que se conheça suas estratégias de ação.”
O que diz a cartilha de Damares
(Fonte: Governo Federal)
“OS RISCOS DA MACONHA DITA “MEDICINAL
No que diz respeito ao uso da maconha dita “medicinal”, é importante salientar que o uso terapêutico dos componentes da maconha ainda é extremamente restrito, contando com pouquíssimas evidências científicas.
A maconha tem pelo menos 100 diferentes canabinóides (Kroon et al., 2019), entre elas o tetraidrocanabinol (THC), que tem grande potencial 13 de causar dependência, e apenas uma, o canabidiol (CBD), vem sendo investigada com o objetivo de verificar se existe ou não um potencial terapêutico para condições clínicas específicas.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil deixa claro a escassez de estudos que sustentam o uso terapêutico do canabidiol (CFM, 2014). Por conta disso, liberou no Brasil apenas “o uso compassivo do canabidiol como terapêutica médica, exclusiva para o tratamento de epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais” (CFM e ABP, 2019b)
Este mesmo conselho, em parceria com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicaram o Decálogo sobre a maconha (CFM e ABP, 2019a) reforçando a presença de ações danosas do uso da maconha sobre a saúde de seus usuários, bem como a escassez de evidências científicas para o uso terapêutico de seus compostos.
Além disso, outras entidades médicas, como os conselhos estaduais de medicina, a Academia Nacional de Neurologia (ABN) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), também apresentam suas posições bastante reservadas sobre o uso terapêutico da maconha e seus compostos (Cremesp, 2016; SBP e ABP, 2017).
Ademais, fica clara a posição do Conselho Federal de Medicina (CFM), de que não se deve falar em “maconha medicinal”, já que não há qualquer evidência científica sobre atividades terapêuticas da maconha bruta.
Conforme estudo publicado no ano de 2016 (Kim e Monte, 2016), houve um aumento do uso de maconha após a flexibilização nos Estados Unidos para o uso da maconha dita medicinal. De acordo com a pesquisa referida acima, a prevalência do consumo de maconha entre jovens adultos do Colorado, com idades entre 18 e 25 anos, aumentou de 35% entre 2007 e 2008 para 43% entre 2010 e 2011.
O uso terapêutico da maconha por grávidas e lactantes também é foco de preocupação nos Estados Unidos. Em revista médica, internacionalmente renomada, foi publicado um estudo (Volkow et al., 2019) sobre gestantes e clínicas autorizadas a prescrever e fornecer Maconha medicinal. O resultado é assustador: o número de mulheres nessas condições NÃO existe “maconha medicinal”. 14 que usam maconha mais do que dobrou entre os anos de 2002 e 2017. Apenas no estado do Colorado, foi constatado (Dickson et al., 2018) que 70% dos estabelecimentos regulamentados pelo governo local para venda de maconha e produtos derivados de maconha, recomendam o uso de maconha medicinal para evitar os enjoos durante a gravidez.
O uso de maconha durante a gestação pode causar atraso no desenvolvimento fetal e problemas neurológicos nos bebês (Corsi et al., 2019), e a legalização no Brasil pode trazer uma sensação de segurança a essas mulheres, levando-as a ignorar os riscos ao bebê ao confiarem na recomendação do vendedor.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou em 2020, por meio de duas resoluções (Anvisa, 2019; 2020), a regulamentação para fins de fabricação, importação (por pessoa física e jurídica), comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos derivados de maconha, devendo-se observar as restrições do CFM para sua prescrição, como descrito acima. Assim, não se faz necessário uma legislação que permita uso “terapêutico” de maconha não é aceitável e coloca em risco a vida daqueles que optarem por fazer uso desta droga para estes fins.”