Cannabis para disfunções no orgasmo feminino: Illinois aprova, mas Oregon rejeita

Contradição entre Illinois e Oregon traz debate sobre uso de cannabis para tratar condições femininas. Pedimos a opinião da ginecologista Mariana Prado

Publicada em 02/01/2025

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Imagem ilustrativa: IA

Nos EUA, entre novembro e dezembro de 2024, um fato controverso e significativo chamou a atenção para o debate em torno da saúde sexual feminina e o uso terapêutico da cannabis: Illinois aprovou a inclusão do Transtorno Orgásmico Feminino (FOD) como condição de qualificação para o uso de cannabis medicinal, enquanto o Oregon rejeitou uma proposta semelhante.

A decisão em Illinois marca um passo significativo na abordagem da saúde sexual feminina com tratamentos alternativos, embora Novo México e Connecticut já tenham tomado decisão parecida antes. Do outro lado, Oregon também não está sozinho, já que os estados de Arkansas e Maryland também já rejeitaram a proposta.

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Dra Mariana Prado é médica ginecologista e obstetra, especializada em prescrição de cannabis medicinal.


Para entender melhor esse debate, conversamos com a dra Mariana Prado, médica ginecologista e obstetra, especializada em prescrição de cannabis. A respeito do que a ciência já sabe sobre o tema, ela adianta: “a ciência já indica que a cannabis pode melhorar a experiência sexual nas pessoas e em algumas mulheres, porque ela aumenta a sensibilidade e o relaxamento, o que pode facilitar chegar a ter os orgasmos”.



Illinois aprovou, mas Oregon rejeitou
A decisão de Illinois veio após uma petição, acompanhada de revisão detalhada de evidências científicas e recomendações do Conselho Consultivo Estadual de Cannabis Medicinal. Enquanto isso, no Oregon, a Autoridade de Saúde rejeitou a proposta devido à suposta ausência de ensaios clínicos randomizados suficientes.

Perguntada sobre a divergência, a dra Mariana analisa que “o prazer feminino foi historicamente negligenciado na medicina e na sociedade, muitas vezes tratado como algo que era secundário e irrelevante.” Talvez isso esteja por trás do cenário em Oregon, já que, conforme a ginecologista, essa negligência histórica “reflete uma falta de priorização em pesquisa e desenvolvimento de tratamentos para transtornos sexuais e hipoativos”.

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Dra Suzanne Mulvehill é sexóloga clínica, orgasmologista, diretora do The Female Orgasm Research Institute e fundadora do Women's Cannabis Project.

A rejeição gerou críticas de pesquisadores como Suzanne Mulvehill, que observa a discrepância em relação a outras condições qualificadas no estado: “note que Oregon foi um dos primeiros estados a aprovar o TEPT [Transtorno de Estresse Pós-Traumático] — em 2013, SEM NENHUM estudo publicado ou ensaios clínicos randomizados” e então questiona: “por que diretrizes mais rígidas para FOD?”

Questões de gênero e preconceito sistêmico
Suzanne aponta que a rejeição reflete preconceitos de gênero e que o estigma em torno do FOD dificulta avanços na saúde sexual feminina. “A política pública deve desestigmatizar condições femininas e aliviar o sofrimento”, ela diz. Mariana Prado concorda: “De fato, quando a gente fala do prazer feminino, existe um aspecto natural de uma misoginia que é sistêmica”.

Jordan Tishler, pesquisador americano especialista em cannabis, também criticou os padrões rigorosos aplicados ao FOD, sugerindo que questões culturais influenciam decisões regulatórias. Ele e Mulvehill continuam buscando financiamentos e um ambiente regulatório favorável para conduzir estudos clínicos.

Estudos sobre prazer sexual e uso de cannabis
Estudos apontam que a cannabis pode aumentar a frequência e a qualidade dos orgasmos. As pesquisas sugerem que a interação da cannabis com o cérebro ajuda a reduzir barreiras psicológicas ao prazer sexual. As condições afetadas podem se relacionar tanto com o já referido Transtorno Orgásmico Feminino (FOD) quanto com outras próximas, mas não necessariamente iguais, como “desejo sexual hipoativo”, “transtorno de excitação”, “anafrodisia”, “frigidez” e “anorgasmia”.

Mariana aponta que em geral, “resumidamente, os estudos indicam essa forte associação positiva entre o uso da cannabis e a melhora da função sexual feminina”, mais especificamente “incluindo desejo, excitação, orgasmo e satisfação”.

Prado diz que “existem muitos estudos sobre autogerenciamento para momento de prazer no uso adulto”. Ela comenta que, segundo eles, “a partir do momento em que a pessoa está nas preliminares ou saindo à noite, existe uma forte evidência de que, quando a pessoa faz uso fumado, ela consegue se autoperceber melhor e se autogerenciar”. Isso porque, junto com o aumento do relaxamento e da sensibilidade, “a cannabis pode ajudar a reduzir a ansiedade, melhorando o fluxo sanguíneo”.

Apesar dessas evidências, a ginecologista ressalta que “os estudos ainda são um pouco limitados”. Além disso, “outra conclusão muito importante é que a relação dose e efeito ainda precisa ser salientada”. “Sabe-se que o uso excessivo atrapalha a experiência”, pois “se eu aumento muito a dosagem, é possível que eu piore a função sexual". 

Prado deixa claro, portanto, que, nas pesquisas, “se percebem, sim, efeitos mais positivos em doses mais baixas, enquanto o uso excessivo pode reduzir a libido ou causar algum tipo de desconforto”.

Orientação médica: o que fazer nessas condições?
Para o caso de uma mulher achar que está com alguma disfunção sexual, a dra Mariana destaca a importância de algumas noções prévias de autoconhecimento: “antes de mais nada, no que diz respeito às funções sexuais, é primordial que a pessoa se conheça, entenda o que a faz sentir prazer, entenda em profundidade o que a apetece, inclusive no que tange à orientação sexual e à identidade de gênero, por exemplo".

Outro aspecto básico a ser considerado é que “a sexualidade é extremamente individualizada e não está relacionada à quantidade de vezes que você tem relação sexual ou à quantidade de vezes que você deseja”. Sendo assim, “a gente só vai tratar como doença se atrapalhar a qualidade de vida”.

Para pacientes, então, que acham que de fato têm desejo sexual hipoativo e queiram tratamento, a doutora indica primeiro agendar uma consulta. Caso se identifique o desejo sexual hipoativo, esse sim uma doença, haverá avaliação da causa. Mariana destaca que ela pode ser multifatorial: “pode ser uma causa física, pode ser uma causa hormonal, pode ser uma causa emocional”.

O uso ou não da cannabis como tratamento vai depender de cada caso. “A gente precisa, a partir disso, elegendo a cannabis como fator de tratamento, entender a proporção de CBD e THC, entender a forma desse consumo, se vai ser um óleo sublingual, se vai ser um lubrificante, se vai ser um supositório retal ou vaginal”, explica, listando as formas de uso da planta para essa condição de saúde.

A ginecologista revela que “a dica é sempre o uso progressivo, ou seja, a menor dose para o maior efeito, então a gente começa tateando desde os pouquinhos”.

Por fim, “como a questão do desejo sexual hipoativo é multifatorial, a cannabis se mostra como grande aliada, mas talvez não a única”, reforça Mariana, elucidando igualmente a importância de se tratar a sexualidade com equipe transdisciplinar.

Com informações de Marijuana Moment.