Produtos à base de cannabis podem ser enviados pelos Correios? Veja as regras no Brasil
Enviar produtos com cannabis via Correios ainda é proibido, mas empresas encontram soluções especializadas para atender à crescente demanda do mercado medicinal
Publicada em 23/06/2025

Armazém alfandegado. Imagem: Arquivo TriStar Express
Atualizada às 18h47
A cannabis pode ser transportada pelos Correios? A resposta curta é: não. O envio de produtos à base de cannabis pelos Correios, mesmo que seja para uso medicinal, é proibido no Brasil, porém com algumas exceções.
A proibição ocorre porque o país é signatário das Convenções das Nações Unidas de 1961 e 1971, que determinam o controle rigoroso de substâncias consideradas proscritas, como a Cannabis sativa, uma planta utilizada desde antigas civilizações para fins medicinais e terapêuticos. No Brasil, a espécie e seus derivados estão nas listas E e F2 do Anexo I da Portaria SVS nº 344/1998, o que restringe severamente seu uso e circulação.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por regulamentar substâncias controladas, impede o transporte desses medicamentos no fluxo postal. Isso inclui os produtos que contêm canabidiol (CBD) ou tetrahidrocanabinol (THC).
Segundo a Anvisa, apenas quatro exceções à regra são permitidas:
- Pesquisa e uso científico: órgãos e instituições autorizadas pela Anvisa podem transportar cannabis exclusivamente para pesquisas científicas ou formação de estoque analítico.
- Medicamentos registrados com CBD ou THC: são permitidos produtos com até 30 mg/mL de THC e 30 mg/mL de CBD, desde que registrados na Anvisa.
- Importação para uso pessoal: pessoas físicas podem importar produtos derivados de cannabis para uso próprio, mediante prescrição médica e com base na RDC nº 660/2022.
- Produtos industrializados autorizados: produtos fabricados ou importados conforme a RDC nº 327/2019 têm permissão, desde que sigam os critérios de autorização sanitária, prescrição, dispensação e fiscalização.
De acordo com a Anvisa, mesmo nos casos autorizados, o transporte de produtos derivados de cannabis deve ser realizado por empresas com Autorização Especial da agência, conforme definido na Portaria 344/1998 e na RDC nº 16/2014.
Fernanda Vanzeli, gestora comercial da Courier Brasil Express, explica que conforme a Portaria 344, após a nacionalização do produto, a empresas Courier com autorização especial, podem utilizar a estrutura dos correios. “Após a nacionalização do produto e a liberação pela Anvisa, os itens podem, sim, ser enviados pelos Correios diretamente para a residência do paciente”, afirma.
Ela ressalta que a empresa courier deve ter um contrato firmado com os Correios para que o processo seja viabilizado. A gestora também destaca que, de acordo com a RDC 660, apenas empresas courier estão autorizadas a realizar remessas internacionais expressas contendo canabidiol.
“Essa é uma questão que ainda gera muitas dúvidas no mercado, tanto entre pacientes quanto entre empresas e e-commerces, mas está amparada por assessorias legais e técnicas, além dos órgãos reguladores competentes”, reforça Fernanda.
Em 2024, 601 empresas estavam cadastradas na RDC 660, podendo realizar a importação de produtos para o Brasil. Dos 672 mil pacientes de cannabis medicinal no Brasil no ano, 315 mil (47%) utilizam produtos regulamentados pela resolução.
Barreiras e desafios do processo
Diante da restrição dos Correios, empresas especializadas oferecem soluções "door-to-door" - desde a porta do remetente até a porta do destinatário, ou "end-to-end" - todas as fases da entrega, realizando o transporte de medicamentos de forma controlada e em conformidade com a legislação. Essas, devem seguir os mesmos procedimentos de controle e fiscalização aplicados a medicamentos convencionais.
Segundo Sandro Nogueira, diretor executivo da Memphis Courier, o maior desafio está na regulação. Entre as barreias, destacam-se o licenciamento sanitário específico o registro e rastreabilidade dos produtos.
Além deles, a Integração com o Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), sistema informatizado do governo brasileiro que integra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior e sistemas da Anvisa, também são dificultadores do processo.
Outro ponto destacado por Sandro Nogueira são os desafios operacionais. Atualmente, é permitido o transporte dos produtos em temperatura ambiente controlada (entre 15°C e 30°C), algo que enfrenta dificuldades em determinados pontos do trajeto terrestre, especialmente em regiões remotas ou com infraestrutura precária.
"Temos alguns gumes, por exemplo, que se forem transportados em
temperaturas muito altas acabam 'grudando' um no outro dentro das embalagens o que já provoca uma percepção desconfortável para o paciente", explica.
Progresso e futuro diferente
Para Ricardo Teixeira, diretor executivo da TriStar Express, os últimos dois anos representaram avanços expressivos no transporte destes produtos. "A Anvisa tem implementado melhorias efetivas nos processos de liberação, tornando o fluxo mais eficiente e previsível".
Segundo Teixeira, o avanço no conhecimento técnico dos órgãos públicos sobre o tema e a consolidação do marco legal da importação desses produtos reduziram consideravelmente os entraves enfrentados no transporte interno.
Armazenagem, rastreabilidade e compromisso com o paciente
Para empresas cadastradas na RDC 660, uma alternativa é operar com armazéns alfandegados no exterior. A TriStar Express, por exemplo, mantém estrutura em Miami (EUA), aprovada pela FDA, e realiza operações de fulfillment (refere-se ao conjunto de processos que envolvem o recebimento, armazenamento, separação, embalagem e envio dos produtos ao cliente final) para o mercado B2B.
Sandro Nogueira destaca a importância da rastreabilidade em tempo real — desde o desembaraço alfandegário até a entrega ao paciente, com atualizações via SMS, e-mail e aplicativos.
O tempo médio de entrega, segundo os representantes, é de 10 dias, dependendo da localidade. Isso garante um padrão comparável ao de outros medicamentos controlados.
“Apostar em rastreabilidade total e conformidade regulatória, é uma demonstração concreta de excelência logística e compromisso com a saúde pública”, finaliza Sandro Nogueira.