O modelo atual de importação de cannabis medicinal é sustentável para o mercado brasileiro?
Especialistas apontam gargalos regulatórios e operacionais que desafiam a consolidação do mercado nacional, mesmo após os avanços da RDC 660/2022
Publicada em 15/04/2025

produtos de cannabis. Imagem Ilustrativa: Canva Pro
Apesar da evolução normativa proporcionada pela RDC nº 660/2022 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o modelo atual de importação de cannabis medicinal no Brasil ainda enfrenta obstáculos significativos para garantir sua sustentabilidade a longo prazo.
Esta resolução, estabeleceu critérios para a importação de produtos à base de cannabis por pessoas físicas mediante prescrição médica. Em 2023, a Anvisa autorizou a entrada de 136.754 produtos de cannabis no Brasil, um número 15.900% maior que as 850 autorizações de 2015.

Em 2024, mais uma vez mostrando sua força, a solicitação de importação de cannabis foi o quinto serviço mais acessado no Portal Gov.Br, conforme o relatório anual Ouvidoria da Anvisa.
"Modelo não é sustentável", afirma especialista

Para Daiane Zappe, diretora da Revivid Brasil, a atual estrutura não se sustenta no longo prazo, mesmo tendo uma grande relevância. “É bastante óbvio que a RDC 660/2022 foi um avanço importante para os pacientes. Ela desburocratiza, em parte, o acesso individual ao tratamento com cannabis”, diz.
Em 2014, quando iniciou o tratamento do filho, Daiane enfrentava um processo moroso, que poderia durar até três meses. Hoje, após o envio da documentação e pagamento, os produtos costumam chegar ao Brasil em 48 horas, mas a liberação alfandegária pode levar até 15 dias úteis, especialmente quando há instabilidades no sistema da Anvisa.
“Quem está sofrendo tem pressa”, afirma. Ela defende prioridade e prazos reduzidos para pacientes com histórico de uso contínuo.
Apesar das melhorias, Daiane aponta desafios persistentes. Segundo ela, o modelo atual dificulta a construção de um mercado nacional robusto, embora ainda seja essencial para garantir acesso a uma ampla variedade de produtos importados.

Sandro Nogueira, diretor executivo da Memphis Courier, observa que o setor opera em um ambiente regulatório ainda em construção. A burocracia se concentra nos trâmites com a Anvisa, onde ocorrem, segundo ele, “situações de descontinuidade regulatória”, como a exclusão repentina de produtos da lista sem aviso prévio.
Na Receita Federal, os atrasos decorrem de exigências pontuais, como comprovação adicional do valor da mercadoria. Embora legítimas, essas exigências tornam o processo mais moroso. “A ausência de protocolos uniformes entre Anvisa e Receita dificulta a previsibilidade”, afirma Sandro.
Apesar da demanda constante, o custo logístico por remessa gira entre US$ 30 e US$ 35, segundo Sandro. Somado ao valor do produto e à volatilidade do câmbio, esse custo limita o acesso de pacientes com menor poder aquisitivo.
Daiane ressalta ainda que, embora haja mais de 500 empresas autorizadas a importar pela Anvisa, nem todos os produtos possuem grau farmacêutico. “Tem muito produto excelente no mercado internacional, mas também há muitos de baixa qualidade. Médicos e pacientes se perdem diante de tanta informação vaga”.
O debate continua
Na quarta-feira (9), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou que deve iniciar, em junho de 2025, o processo regulatório para revisão da RDC 660/2022, com previsão de conclusão entre setembro e outubro, após análise jurídica da Procuradoria Federal. A decisão movimenta o setor e abre novas possibilidades para a importação de produtos à base de cannabis.
A iniciativa da Anvisa e os rumos da RDC 660 serão tema central da Medical Cannabis Fair — principal evento brasileiro voltado a especialistas, empresas e profissionais da saúde, com foco nos avanços científicos e nas inovações no uso medicinal da cannabis e do cânhamo industrial.
Entre as mais de 50 marcas já confirmadas como expositoras, destacam-se a Revivid Brasil e a Memphis Courier, que estarão presentes na 4ª edição da feira, marcada para os dias 22 a 24 de maio de 2025, na Expo Center Norte, em São Paulo.
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Diversificação da origem e entraves regulatórios
O Brasil é majoritariamente abastecido por produtos oriundos dos Estados Unidos, com participação ainda tímida de itens da Europa. No entanto, há um movimento estratégico para incluir produtos de Colômbia e Uruguai, que oferecem qualidade e preços mais competitivos, como explica Sandro.
Entraves regulatórios nos países de origem — como exigências sanitárias desproporcionais e ausência de acordos bilaterais — ainda limitam essa diversificação. Com a otimização desses processos, o Brasil poderia ampliar significativamente sua matriz de fornecimento.
Atualmente, os produtos à base de cannabis lideram entre os medicamentos adquiridos por autorização excepcional da Anvisa, dentro do universo de importações por pessoas físicas. A isenção tributária para medicamentos com prescrição cria uma oportunidade de acesso direto — sem intermediação comercial.
Contudo, Sandro observa que poucos pacientes aproveitam esse modelo para outras classes de fármacos, o que evidencia a centralidade da cannabis medicinal no atual sistema de importações com fins terapêuticos.