Liberdade de expressão e cannabis: o dilema das redes sociais
Como a censura digital afeta influenciadores, juristas e empresas no debate sobre a planta e a luta por direitos constitucionais
Publicada em 14/08/2024
Existe uma dificuldade de comunicação com as empresas prestadores do serviço digital, afirma advogado | Imagem: Vecteeezy
Nos últimos meses, o Brasil tem vivido avanços e retrocessos quanto as questões jurídicas, sociais, políticas e econômicas em volta da cannabis. Na linha da contramão ao pequeno avanço brasileiro, as redes sociais, de forma arbitrária, têm praticado censura com alguns influenciadores, juristas, profissionais da saúde e empresas que falam sobre a cannabis em seus perfis nas redes sociais, seja restringindo o conteúdo canábico, simplesmente retirando-o do perfil ou banindo as contas desses usuários sem qualquer justificativa concreta por parte de seus provedores.
Como advogado, tenho me colocado disponível nessa linha de frente de combate a censura, assessorando aqueles que foram, de certa forma, prejudicados com estes bloqueios. A censura praticada pelas redes sociais é extremamente grave, uma vez que princípios constitucionais não são respeitados pelos operadores deste tipo de serviço digital, como a liberdade de expressão, liberdade de imprensa, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Quanto a liberdade de expressão, temos aqui um dos mais importantes e significativos direitos constitucionais, representando uma base essencial para o funcionamento da democracia. Não só isso, mas um direito pertencente ao ser humano, que molda a sua personalidade, já que, como ser social, temos a necessidade intrínseca de nos comunicarmos e expor sentimentos.
A liberdade de expressão, está garantida por diversas vezes na Constituição Federal (art. 5º, IV e IX e art. 220), deixando claro o combate a toda e qualquer forma de censura. É claro que, a liberdade de expressão pode ser mitigada, quando, por exemplo, imputado falso crime a alguém, quando falamos das características pessoais de alguma pessoa para ofendê-la ou espalhamos fake news, mas no caso da cannabis nas redes sociais, essa mitigação não se aplica.
De outro modo, a liberdade de expressão é uma luta simbólica de reflexo ao tempo em que a censura era glorificada no Brasil, perseguindo a ideia de minorias. A discussão nas redes sociais sobre a política de combate as drogas do Estado brasileiro, o estado proibicionista, a legalização, descriminalização, reparação social, regulamentação, uso medicinal, não podem estar imunes à crítica pública, desde o conteúdo mais sério até o conteúdo engraçado. Seja fazendo marketing e vendendo algum produto que não contenha substância psicoativa ou trazendo dados estatísticos do sistema carcerário, todos têm o direito de falar sobre cannabis nas redes sociais.
Confira fala de Fabrício Penafiel no Deusa Cast. O CMO do grupo Bem Bolado, explica sobre os riscos de se ficar "refém" das redes sociais:
O debate sobre temas políticos e sociais, como a cannabis, é garantido, de forma ampla, pelo STF, ao julgar a ADPF 187, no longínquo ano de 2011, quando fora garantido pela Suprema Corte a liberdade de reunião e de manifestação na Marcha da Maconha, movimento social, político e cultural brasileiro que versa sobre a política de drogas nacional.
Ainda, cabe ressaltar que o pluralismo político, social e democrático está previsto na constituição, com a garantia da manifestação de suas ideias e reuniões pacíficas de modo geral. Mais ainda, o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, estabelece que a relação sobre o uso da internet brasileira deve ter como fundamento a liberdade de expressão, comunicação, pluralidade, diversidade e manifestação do pensamento.
Não podemos deixar de falar sobre a liberdade de imprensa, pois também estamos falando de um direito fundamental a todo e qualquer cidadão, assegurado pela Constituição Federal. Essa garantia é oriunda do direito à informação, possibilitando que o cidadão possa criar ou ter acesso a diversas fontes, sem qualquer interferência estatal, claro, devendo o Estado fazê-lo quando ultrapassar os limites em lei.
Quanto ao contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, também direitos constitucionais fundamentais, existe uma afronta direta, assim como existe as liberdades individuais e coletivas, uma vez que o conteúdo ou o perfil são retirados do ar sem qualquer chance de defesa do usuário da rede social.
O ponto que converge para o debate, é que não existe uma “Central de Atendimento ao Consumidor” nas redes sociais, isto é, não há sequer a possibilidade de recurso. De forma resumida, os usuários das redes sociais não conseguem se defender em qualquer hipótese, fazendo com o que é apontado por elas, algo absoluto.
Ademais, o controle realizado por todas as redes sociais frente aos usuários, é um controle robotizado. Então, o que acontece é que muitas pessoas e empresas falam sobre cannabis de forma informativa e educativa, mas o robô da rede social entende que este está vendendo drogas e passa a banir o perfil, causando uma mancha na imagem daquela pessoa ou empresa.
Diante disso, existe uma falha na prestação de serviço das redes sociais, posto que estamos frente uma relação de consumo, conforme já estabelecido pelo STJ. Há uma falha quando não existe contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, há uma falha quando as liberdades individuais e coletivas não são respeitadas e há uma falha quando um robô analisa o seu perfil e diz o que pode ou não ser feito, mesmo o usuário estando respaldado pela legislação brasileira.
Ressalto que, infelizmente, a única forma de recuperar aquele perfil ou conteúdo é através de uma ação judicial com pedido de tutela de urgência, uma vez que se torna inexistente a tentativa de resolução administrativa com os provedores das redes sociais.
É nesse sentido e, claro, levando em consideração todo abalo psicológico, a censura, a perda do tempo útil do consumidor e o dano causado, surge a indenização pelo dano moral sofrido, bem como, o ressarcimento pelo dano material sofrido, já que muitas empresas e influenciadores possuem contratos para divulgação de seus serviços, além da venda dos seus produtos.
Por fim, é preciso ressaltar que falar sobre cannabis nas redes sociais é um direto de todo e qualquer usuário que tenha perfil ativo naquele provedor, seja Instagram, Facebook, TikTok, Youtube e afins. O respaldo está no julgamento da Suprema Corte na ADPF 187, na Constituição Federal e no Marco Civil da Internet.
Clayton Medeiros* é advogado com atuações jurídicas envolvendo a cannabis
*A opinião do autor não reflete, necessariamente, o posicionamento do portal.